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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O prefeito acusado de pedofilia



Enfermeira afirma que Paulo César Neme, prefeito e médico pediatra na cidade de Lorena (SP), tentou abusar de um garoto de 12 anos
Flavio Machado

Quando a enfermeira Rosane do Amaral viu o sobrinho de 12 anos chegar chorando da escola, logo pensou se tratar de uma briga entre garotos. Mas o motivo das lágrimas, segundo o relato do menino, era mais grave: ele afirmava ter sofrido uma tentativa de abuso sexual. Assustado, disse à tia que fora atraído até a casa de um homem com uma promessa inocente. Lá, o sujeito teria apalpado seus órgãos genitais e o estimulado a receber sexo oral.

Vale Paraibano
SUSPEITA
Candidato à reeleição, o prefeito de Lorena, Paulo César Neme, é acusado de abuso de menores

Transtornada, Rosane pediu ao sobrinho para levá-la até a casa do tal homem. Segundo o relato de Rosane, ambos refizeram, andando, o caminho recém-percorrido pelo garoto. Próximo ao centro da cidade, diz a tia, o menino parou numa esquina da rua Professor Frederico Ramos e apontou uma casa elegante, com grandes portões de ferro pintados de branco. Rosane entrou em choque. Aquela era a casa de Paulo César Neme, médico pediatra de 52 anos e prefeito de Lorena, uma cidade de 86 mil habitantes no Vale do Paraíba, em São Paulo. Sem saber o que fazer, a enfermeira saiu de lá aos prantos. Depois de duas noites sem dormir, ela resolveu denunciar o prefeito à polícia.

Nascido em Colina, norte do Estado, Neme migrou para o Vale do Paraíba depois de terminar a faculdade de Medicina, com especialidade em pediatria. Desde sua chegada a Lorena, há cerca de 30 anos, ele mantém em seu consultório uma espécie de instituto filantrópico: cobra as consultas de quem pode pagar e atende gratuitamente as pessoas carentes do município. Sua forte ligação com a população chamou a atenção dos políticos da cidade. Em 2000, foi candidato a vice-prefeito. Sua chapa perdeu, mas boa parte da expressiva votação foi atribuída a Neme. Elegeu-se deputado estadual em 2002, cargo que deixaria dois anos depois para assumir a Prefeitura, conquistada com quase 50% dos votos. Hoje, lidera as pesquisas. Procurado em sua casa e na sede da prefeitura, Paulo Neme informou por meio da advogada Eliziane Araújo, sua assessora jurídica, que não irá se pronunciar sobre as acusações de pedofilia.

Rosane ligou para o disque-denúncia e contou a história narrada pelo sobrinho, há dois meses. Este é o relato em que se baseia a denúncia. "Ele parou meu sobrinho na saída da escola. Disse que ele estava gordinho, que precisava de um tratamento, e mandou que ele o seguisse com a bicicleta”, diz Rosane. “Dentro do consultório, que funciona na casa, o prefeito mandou o garoto tirar a roupa para ser examinado. Depois de apalpar a genitália do menino, ele se agachou e tentou fazer sexo oral. Meu sobrinho entrou em pânico e se vestiu. O Dr. Paulo disse para ele se acalmar e voltar no dia seguinte para ganhar um tênis”. A partir daquele dia, Rosane conta que passou a pagar uma van para levar o sobrinho da escola para casa, um percurso de poucas quadras antes feito de bicicleta. “Levei-o a um psicólogo também. Ele é ingênuo, não entende direito o que aconteceu, tenho medo de que ele fique com algum problema”, diz. Os pais do menino se separaram quando ele tinha 2 anos. Desde então, a guarda pertence à avó, mãe de Rosane, mas é a tia quem cuida dele.

Frederic Jean
ACUSAÇÃO
L.S., hoje com 19 anos, diz ter feito parte do círculo íntimo do prefeito e o acusa de oferecer dinheiro aos jovens em troca de silêncio.

“Todo mundo sabe o que acontece lá. Se você passar na frente da casa dele lá pelas 20 horas vai ver a fila de garotos querendo ganhar um dinheirinho. Todo dia tem fila”, diz um senhor no balcão de uma pastelaria na praça central da cidade. De acordo com José Willy Giaconi Júnior, delegado licenciado do município, o prefeito alicia os jovens oferecendo roupas e tênis caros em troca de favores sexuais. “A maioria dos garotos é carente. A família não denuncia porque depende da Prefeitura, seja por ter um parente empregado lá ou por algum benefício que receba”, diz Giaconi Júnior. “Não é fácil conseguir provas. Os garotos não falam por dois motivos: uns porque não querem perder o dinheiro fácil; outros porque têm medo dos colegas que fazem parte do esquema.” Com exceção da enfermeira Rosane, todas as pessoas ouvidas por ÉPOCA só aceitaram falar sobre o assunto sob a condição de anonimato.

Outro possível envolvido é L. S., hoje com 19 anos. Ele diz ter feito parte do círculo de intimidade do prefeito no passado, mas tem medo de falar sobre o assunto. “Comecei a ir à casa dele quando tinha 15 anos. Quem é novo sempre é levado por alguém que o Dr. Paulo já conhece. Quem sai nunca fala sobre o assunto”, diz L.S. “Nos primeiros encontros, ele se satisfaz apenas apalpando, por cima da roupa. Quando pega mais intimidade, passa a fazer sexo oral.” L.S. afirma que, na semana passada, o prefeito ofereceu dinheiro para os garotos que, caso procurados para falar sobre o assunto, permanecessem de boca fechada. A recompensa seria, segundo ele, de R$ 80 para cada um.


O gerente de uma loja de roupas esportivas do centro de Lorena confirma que o prefeito Paulo Neme costuma comprar presentes para distribuir entre os garotos da cidade “De vez em quando vem um garoto escolher um tênis ou um skate e fala que o prefeito vai pagar. Nós ligamos para confirmar e ele manda alguém com o dinheiro”, diz o gerente. Segundo Giaconi Júnior, uma dessas negociações acabou em confusão. “Quando eu era o delegado, o prefeito sofreu uma tentativa de assalto na porta de um caixa eletrônico. Um rapaz encostou-o na parede pedindo dinheiro. O prefeito caiu e quebrou o braço. Prendemos um rapaz de 16 anos que confessou ter abordado o prefeito para cobrar uma dívida de favores sexuais. Disse ainda que a queda fora acidental.”

No relato, o garoto disse que havia recebido um ‘vale tênis’ mas a loja não aceitou, porque o prefeito estaria devendo cerca de R$ 18 mil. Giaconi Junior conta que liberou o rapaz com o compromisso de tomar o depoimento no dia seguinte, mas que algo aconteceu antes disso. “O garoto negou toda a história. O prefeito foi até lá e não o reconheceu. Ficou por isso mesmo. Fiquei sabendo depois que a mãe dele trabalhava na Prefeitura”, diz.

Frederic Jean
COINCIDÊNCIA
Acusado de pedofilia, o prefeito despacha ao lado do Conselho Tutelar de Lorena

Um senhor diz que seus dois filhos já foram parceiros sexuais do prefeito Paulo Neme. Ambos teriam sido apresentados ao médico quando eram adolescentes. “Hoje um tem 22 anos e o outro 19. O mais velho começou a ir lá quando tinha 14 anos. E depois levou o mais novo”, diz. Os rapazes teriam recebido roupas, calçados, dinheiro e até ingressos para bailes. “Eu achava estranho, não gostava daquilo, mas não podia fazer nada”, diz o homem. O pai descreve a atenção do médico Paulo Neme ao atender um de seus filhos em seu consultório. “Uma vez, o mais novo machucou o pênis. Levei no Dr. Paulo, que passou ele na frente de todo mundo na fila. Depois o menino contou que o médico ficou mexendo demais nele”. Perguntado se ele voltou a levar o garoto lá, respondeu: “Era o único que atendia de graça”.

Além da investigação sobre o caso do sobrinho de Rosane, há um procedimento no Ministério Público para apurar denúncia similar. Segundo o promotor Carlos Eduardo Brechani, de Lorena, houve uma denúncia contra Neme por abuso de menores. Como ele tem foro privilegiado, a documentação foi remetida à Câmara Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos, do Ministério Público de São Paulo. Rosane diz que aguarda agora o dia em que seu sobrinho poderá andar novamente de bicicleta pelo bairro. “Com ele (prefeito) por aí não tenho confiança, o menino só vai sozinho até a lachonete, aqui na esquina”, diz. “A avó dele, minha mãe, não sabe da história, ela vai ficar chocada, mas isso tem que parar”.

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