O fato de o debate sobre a legislação penal e sua aplicação no país ser emocionalizado quando crimes chocantes ganham grande repercussão e escancaram as falhas do sistema não tira a autenticidade da contenda. Está provada a urgência de uma revisão de procedimentos para a adoção de mais rigor com psicopatas e sociopatas. O Distrito Federal e seu entorno ainda não absorveram o choque da sequência de estupros e assassinatos de seis jovens, em Luziânia (GO), pelo pedreiro Ademar de Jesus Silva, que acabara de se beneficiar da progressão de regime, e novamente são sacudidos por outro horror do gênero.
Desta vez, como da anterior, uma sucessão de erros pôs na rua, para voltar a matar, um maníaco com 41 anos e 10 meses de pena, assassino da própria mulher e da enteada, de apenas cinco anos, e autor de três estupros. Resultado: de setembro para cá, ele repetiu os crimes, abusando e tirando a vida de uma dona de casa e de uma adolescente (há suspeitas de que também tenha matado duas mulheres em Sobradinho). No caso de Ademar, a Vara de Execuções Penais do DF alegou não haver como antever a reincidência. Essa é uma meia verdade, válida quando todas as precauções foram tomadas pelas autoridades, o que não ocorreu em nenhuma das duas situações citadas.
A culpa, portanto, em ambos os casos — como, de resto, em tantos outros Brasil afora —, é do Estado. A psicologia forense já deixou demonstrado que portadores de psicopatia e sociopatia não são curáveis, salvo em raríssimas exceções. A ausência ou a precariedade de avaliações psiquiátricas e de acompanhamento e vigilância permanentes se tornam um risco fatal. Mas nem esses cuidados nem outros, que deveriam igualmente ser rotineiros, costumam ser observados.
Por exemplo, a investigação sobre a vida pregressa dos apenados. O que, aliás, somente será possível fazer com relativa eficácia quando se superar mais uma deficiência: embora reclamado há muito tempo, jamais é elaborado um cadastro nacional de condenados. Não bastasse, na ausência do documento, a incrível falta de comunicação entre os órgãos policiais e da Justiça das diversas unidades federativas cria uma zona de sombra que só serve ao acobertamento de bandidos. Esse tipo de falha favoreceu tanto a Ademar quanto a Adaylton Nascimento Neiva, o maníaco do Novo Gama (GO).
Enfim, não apenas a progressão de regime é mal aplicada. A situação é de falência do sistema como um todo. O papel de ressocialização dos presos se perde em penitenciárias superlotadas, algumas delas dominadas pelo crime organizado. Paradoxalmente, enquanto as autoridades se trumbicam, como diria o velho guerreiro Chacrinha daqueles que não se comunicam, detentos usam celulares para, mesmo de detrás das grades, coordenarem sequestros, operações do tráfico de drogas e assassinatos. A continuar assim, o nonsense recomenda libertar logo os criminosos e abrigar a sociedade sob a proteção de muralhas e grades.