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terça-feira, 29 de junho de 2010

Anistiado pobre fica sem indenização


Anistiado pobre fica sem receber indenização
Autor(es): Leonencio Nossa
O Estado de S. Paulo - 28/06/2010

Barqueiros, lavradores e comerciantes vítimas do regime militar aguardam até hoje as indenizações da Comissão de Anistia. Os processos são tão lentos que alguns morrem antes, de velhice.


Processos referentes a vítimas mais humildes são tão demorados que elas estão morrendo sem ter recebido nenhum centavo

Vítimas do regime militar das camadas mais humildes da população têm ficado à margem da concessão de indenizações pela Comissão de Anistia. Os processos referentes a barqueiros, agricultores, lavadeiras e pequenos comerciantes que sofreram tortura são tão demorados que eles estão morrendo de velhice sem ter recebido um centavo sequer.


Esse é o caso do comerciante Renovato Pereira Neto, de 71 anos, de São Geraldo do Araguaia. Acusado pelo Exército de vender munição para integrantes da Guerrilha do Araguaia, no começo dos anos 1970, ele passou quase três décadas sofrendo os traumas de choques elétricos. Em 2004, conseguiu entrar com pedido de indenização. Renovato morreu dois anos depois sem conseguir receber o benefício.

Dos 44 anistiados do Araguaia, 5 já morreram. "A Justiça tem de tomar uma decisão definitiva. Ou permite os pagamentos ou acaba de vez com a esperança do pessoal", afirmou Sezostrys Alves da Costa, representante da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia. A associação conta com 280 integrantes.

O Estado revelou na edição de ontem que indenizações de R$ 4 bilhões pagas ou aprovadas pela Comissão de Anistia para perseguidos políticos poderão ter os valores revistos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Proposta em análise no órgão prevê a possibilidade de reduzir os benefícios concedidos aos anistiados. As indenizações já aprovadas somam um total de R$ 4,2 bilhões.

Suspensos. Em junho do ano passado, o então ministro da Justiça Tarso Genro entregou simbolicamente, numa praça de São Domingos, no Sul do Pará, a indenização à família de Renovato e a outros 43 moradores pobres que passaram pelos campos de tortura e foram reconhecidos como anistiados políticos. Os pagamentos, no entanto, foram suspensos por decisão da Justiça Federal.

De 1995 até 2007, o governo só tinha concedido duas anistias para pessoas de camadas mais pobres. Tarso afirmou que, a partir dali, o Ministério da Justiça priorizaria as vítimas esquecidas da ditadura.

Desde a suspensão dos benefícios dos agricultores do Araguaia, no ano passado, a Advocacia-Geral da União não conseguiu, porém, derrubar a liminar que bloqueou os pagamentos.

A decisão que suspendeu indenizações que variavam de R$ 83 mil a R$ 142 mil aos moradores do Araguaia foi tomada bem longe dali. O juiz José Carlos Zebulum, da 27.ª Vara Federal do Rio de Janeiro, aceitou pedido de suspensão apresentada pelos advogados do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ). O pai de Bolsonaro, Jair, deputado federal também pelo PP, representa setores conservadores das Forças Armadas no Congresso.

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, reclama que o governo e os agricultores do Araguaia não foram ouvidos pela Justiça do Rio. "Não me surpreendem ações ideológicas de determinados grupos militares e reacionários. O que me surpreende é um juiz conceder essa liminar sem ouvir o Estado brasileiro e os camponeses", disse Abrão.

Tumulto. Na justificativa de sua decisão, o juiz José Carlos Zebulum escreveu que ouvir os camponeses "causaria evidente tumulto processual, prejudicando a eficiência e celeridade da prestação jurisdicional".

Sezostrys Costa disse que a suspensão dos pagamentos causou desespero entre os anistiados do Sul do Pará, pessoas que vivem em situação de miséria e com problemas de saúde.

Zé da Rita. José Francisco Pinto, o Zé da Rita, que participou de patrulhas militares era um dos perseguidos por grupos de direitos humanos. Ele reivindicava indenização por "trabalhar como escravo" dos militares. Zé da Rita morreu em abril deste ano.



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