Antes de virar presidente, Luiz Inácio sempre reconheceu que a imprensa teve papel de relevo no processo que o converteu em Lula.
Numa das passagens do livro “Lula, o Filho do Brasil”, o ex-sindicalista contou à jornalista Denise Paraná o drama que vivenciou quando decidiu fundar o PT.
Corria o início da década de 80. No comando do movimento sindical, Lula era festejado por todos. Até que...
Até que decidiu pôr em pé o seu próprio partido político. “Aí já tinha o PMDB contra, já tinha o PC contra...”
“...Já tinha o PCdoB contra, já tinha o MR-8 contra, já tinha o PDT contra. Você tinha um monte de gente contra”.
Lula deixou de ser, segundo contou, uma “unanimidade”. Foi devolvido à condição de “um ser normal”. Porém...
Porém, desfrutava de um contraponto ao nariz virado dos políticos tradicionais. “Foi um período em que a gente tinha muito espaço na imprensa”.
Lula enfatizou: “Muito espaço”. Fez uma única ressalva: “Na Globo o espaço era muito pouco. Na televisão o espaço sempre foi muito pouco”.
Nessa época, Lula via as redações de jornal como aliadas. E não era o único. Fernando Collor concordaria com ele anos mais tarde.
Collor costuma dizer que virou presidente do Brasil numa eleição em que mediu forças não apenas com Lula, mas também os aliados dele na imprensa.
Conta que, durante a campanha, para afrontá-lo, alguns repórteres compareciam às suas entrevistas ostentando broches do PT na lapela.
Na investigação que desaguou no impeachment de Collor, o petismo servia-se das denúncias da imprensa.
Na CPI do Collorgate, gente como José Dirceu e Aloizio Mercandante especializou-se em “vazar” para as manchetes dados sigilosos.
Súbito, Lula virou presidente. Passou de estilingue a vidraça. E começou a desancar a “mídia”. O “controle social dos meios de conunicação” virou um mantra do PT.
Nos últimos meses, em sua cruzada contra a “mídia”, Lula tomou de empréstimo uma metáfora que Nelson Rodrigues cunhara para se referir ao Brasil e aos brasileiros.
O cronista costumava dizer que o brasileiro sofre de “complexo de vira-lata”. Escrevia coisas assim:
“O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima”.
Inconformado com o pedaço da imprensa que tem a mania de imprensar, Lula passou a servir-se da máxima rodrigueana para atacar a “mídia”.
Lula ‘Nunca Antes’ da Silva passou a dizer que o Brasil é muito impopular nos jornais do Brasil. Só a imprensa estrangeira reconhece-lhe os feitos.
Passou a renegar o papel fiscalizador dos repórteres. Algo que o PT e ele próprio tanto exaltavam no passado.
Agora, como que habitados ao elogio fácil, Lula e o petismo abominam a crítica. Cultivam um modelo de imprensa em que não há espaço para apurações.
Desde que as manchetes expuseram o mensalão, em 2005, Lula e Cia. passaram a cultivar a certeza de que a “mídia” conspira contra o governo.
Nas últimas semanas, Lula passou a dizer que o noticiário exerce sobre o brasileiro um efeito deletério. Tonifica na alma dos patrícios o hábito da subordinação.
Conta uma história dos tempos em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Eis o episódio:
“Uma vez nos colocamos um carpete amarelo na minha sala. Carpetão, daquele bem grosso. O peão, quando trabalha na fábrica, o sapato dele enche de cavaco...”
“São lascas de ferro, que saem das máquinas. Quando o peão anda, se ele pisa num lugar limpo, vai ficando aquele rastro de óleo...”
“...Um dia, o cara chegou na minha sala e foi tirando o sapato. Eu disse: O é isso companheiro. E ele: ‘Oh, Lula, não vou sujar esse tapete de graça’...”
“...Eu falei: Mas foi você que pagou isso aqui, meu filho. Você não é sócio do sindicato? Então, entra. Se sujar a gente troca o carpete por outro melhor”.
Lula confunde a educação do peão com subordinação. Ora, se o sujeito ajudara a pagar o carpete amarelo, nada mais natural que quisesse conservá-lo.
Ao trocar o ambiente das fábricas pelos gabinetes carpetados de Brasília, Lula melhorou a qualidade dos sapatos.
Mas, no papel de peão de si mesmo, carrega sob a sola o “cavaco” liberado pela engrenagem que preside. São lascas de equívocos e malfeitos, não de ferro.
Manda a boa educação jornalística que os repórteres se esforcem para expor o rastro de cavacos. Em jogo, as verbas da Viúva, não mais o dinheiro do sindicato.
Lula agora prefere manter o carpete limpo. Quando não dá, compra um carpete novo. Ou, por outra, empurra a sujeira para debaixo do carpete.
Faxina? Nem pensar. É mais cômodo espinafrar a mídia.