Deus e o Dinheiro na Terra de Mamon
Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)
À medida que se distancia o barulho dos tambores e das guitarras elétricas nas ruas e avenidas dos muitos circuitos do carnaval baiano, fica mais fácil observar e escutar o que se passa em volta nestes dias de retirada da fantasia e dos santos cobertos de pano roxo, na Bahia e no País. Desde já, é possível dizer: muitos fatos e ruídos merecem atenção e reflexão, além do drama político que abala o Distrito Federal de Arruda, Paulo Octávio e a turma do chamado "Mensalão do DEM".
A mudez dos sinos nos campanários da mística Salvador, imposto pelos ritos da Quaresma, facilitam também verificar: partem dos templos religiosos (católicos ou não) os sinais mais contundentes. O principal deles é bem nítido já nos preparativos do lançamento neste domingo, 21, da Campanha da Fraternidade, cujo tema este ano é "Dinheiro e Vida".
Isso ficou visível nos cuidados e nas oscilações na entrevista coletiva do mineiro arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil, Dom Geraldo Magela, para falar da parte prática da CF, de caráter ecumênico. O simples comunicado foi suficiente para levantar sinais de fumaça e de polêmica em muitos setores. Na política, nos governos, nas empresas. Dúvidas e suspeitas se levantam, aqui e ali, a começar pelo real significado de algumas palavras e indicações do Primaz do Brasil, ex-presidente da CNBB, em sua conversa com a imprensa na Quarta-feira de Cinzas.
Até a construção da controvertida ponte Salvador-Itaparica, empreendimento bilionário de projeto incerto e não debatido, veio à baila., e mereceu o apoio explícito do cardeal. Pelo tema em si, não é difícil prever o fuá que está a caminho, a partir deste domingo. No material da campanha, que será distribuído e debatido pelos fiéis nas paróquias de todas as dioceses do País, há motivos de sobra tanto para concordâncias, quanto para desavenças. Mais, provavelmente, para desavenças.
"Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro". Eis um desses motivos, escrito como lema em destaque no cartaz de promoção da CF-2010. O próprio cartaz não poderia ser mais emblemático e provocativo, em se tratando de campanha de cunho religioso e social. Nele, velas acesas sobre uma mesa aparecem cercadas de moedas.
Mais direto, impossível, principalmente porque a CF-2010 passou pelo crivo da Santa Sé desde setembro do ano passado. É sabido que o Vaticano não costuma ser tão direto em suas mensagens e palavras de ordem na maioria das vezes. A não ser em questões como o aborto ou a obrigatoriedade do celibato. Neste último caso, como se sabe, com inegáveis motivações do dinheiro desde as origens do impedimento do casamento dos padres católicos.
No lançamento da CF deste ano, na Bahia, quem lucrou de saída foi Wagner e seu governo. Como assinalou o jornal A Tarde, o governo baiano ganhou um aliado de peso na sua empreitada pela construção da ponte entre Salvador e Itaparica.
"Eu acho que vai ser bom. Temos muitas pessoas que usam a passagem pela ilha para ir mais para o sul do nosso Estado. Se tivermos uma ponte, o tempo e os custos da viagem vão ser abreviados", argumentou o arcebispo primaz do Brasil em favor da ponte.
A obra, como destaca o jornal baiano, tem gerado um debate acirrado entre políticos, empresários e sociedade civil. A polêmica se aprofundou após o escritor João Ubaldo Ribeiro, natural de Itaparica, produzir um manifesto desferindo críticas ao projeto. O protesto ganhou projeção nacional e recebeu o apoio de artistas e intelectuais que também se posicionaram contra a ponte.
No mesmo dia da entrevista de Dom Geraldo, a discussão chegou (à noite), ao plenário da Assembleia Legislativa da Bahia, a bordo da mensagem do governo, levada pessoalmente por Jaques Wagner, que abriu generoso espaço em seu discurso na abertura do ano legislativo no Estado, para fazer veemente defesa da ponte de 13 km sobre a Baía de Todos-os-Santos.
Ah, é preciso ressaltar, a bem da verdade, que o Primaz do Brasil colocou o tema do dinheiro e da corrupção no País, no centro da sua entrevista de lançamento da CF. Deu destaque especial ao escândalo mais recente e ainda em andamento, que culminou na prisão do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e no processo para o afastamento do vice, Paulo Octávio. "É o bendito dinheiro de quem o põe no bolso, põe na barriga, em não sei mais onde. São interesses partidários e de grupos que estão em jogo", disse o arcebispo.
Dom Geraldo destacou a prisão do governador, mas ainda assim o o arcebispo mostrou-se descrente frente à impunidade em crimes de corrupção: "Vemos este mensalão e nos parece que não aconteceu nada. Eles sempre têm dinheiro para ter um habeas corpus, para sair da cadeia".
Mesmo em relação à construção da ponte multibilionária, que ele abençoa, o cardeal pede vigilância. Admitiu que o empreendimento pode ser alvo de desvios e superfaturamento. "Essa obra vai ser muito valorizada, até acima mesmo do seu valor objetivo. Há o perigo de que certas empresas possam ser beneficiadas. Um benefício que vem em troca de corrupção", alertou.
A Campanha da Fraternidade deste ano promete muito mais, no Brasil das metrópoles, mas sem tirar as vistas também da dinheirama que corre no País dos grotões.
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