Exclusivo: os documentos, as testemunhas e as memórias da greve que manteve o presidente por 31 dias na prisão
por Camilo Vannuchi - 07/01/2010 - 12:23 Ainda não eram 6h da manhã quando três viaturas estacionaram em frente ao número 273 da Rua Maria Azevedo Florence, um sobrado de esquina em São Bernardo do Campo.– Senhor Luiz Inácio! Senhor Luiz Inácio!
Frei Betto dormia na sala. Assessor da pastoral operária, ele se instalara na casa de Lula dias antes. “Atendia ao pedido de Dom Cláudio Hummes, bispo da região, em apoio a Lula, então presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema”, diz. Naquele 19 de abril de 1980, um sábado, estava acompanhado pelo deputado estadual Geraldo Siqueira, também solidário à greve, que avançava pela terceira semana.
Fazia tempo que ninguém dormia direito naquela casa. Lula demonstrava irritação com a permanente vigilância dos agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão responsável por investigar crimes de natureza política. Marisa Letícia conta que se angustiava ao ver o sobrado cercado, policiais plantados na esquina e gente rondando à noite. Os três filhos do casal – Marcos, de 9 anos, Fábio, de 4, e Sandro, de apenas 1 – lamentavam a ausência do pai, sempre às voltas com assembleias e negociações.
Na semana anterior, o Tribunal Regional do Trabalho considerara a greve ilegal, por extrapolar a esfera trabalhista e insuflar a desordem. Foi a justificativa para a intervenção no sindicato e para a destituição da diretoria, na véspera. As primeiras prisões não tardariam.
Às 6h, Geraldo Siqueira e Frei Betto checaram o mandado de prisão. Oito agentes do Dops, dois deles armados com metralhadoras, esperavam por Luiz Inácio.
Frei Betto subiu as escadas e bateu na porta da suíte.
– A repressão veio te buscar, disse ele.
Lula ainda teve calma para tomar café da manhã, enquanto a mulher colocava suas roupas em uma mala. “Enfiaram o Lula no carro e sumiram”, diz Dona Marisa. “Até nosso fiatzinho esquentar, eles já tinham desaparecido.”
Às portas do último ano do segundo mandato, Luiz Inácio Lula da Silva assume um tom austero ao lembrar aquela manhã. Quase trinta anos após a prisão, o presidente grisalho que recebe ÉPOCA SÃO PAULO em seu gabinete paulistano reconhece na greve de 1980 o momento mais marcante em sua trajetória política. Depois dela, o símbolo operário se transformaria no líder político que fundou o PT e que um dia chegaria à Presidência. Naquele 19 de abril, porém, ele parecia prestes a estrear como personagem de um desgastante reality show, vivido numa cela repleta de metalúrgicos. Outros 16 sindicalistas foram detidos. “Prenderam todo mundo às 6h da manhã”, diz Lula. “Uns, eles levaram de cueca. Na casa de outros, cortaram o fio do telefone. Na minha, não cortaram nada. Só bateram, eu me preparei e fui.”
Enquanto era conduzido ao Dops, no centro de São Paulo, Lula conta que cogitou sofrer um atentado. Lembrou-se de que, anos antes, agentes do Dops costumavam dar sumiço em opositores do regime. “Havia uma cerração brava, e eu pensei: ‘Se esses caras cismarem de fazer alguma coisa aqui, ninguém está vendo’”, diz Lula. “Mas, dez minutos depois, D. Paulo Evaristo Arns (cardeal de São Paulo) anunciava no rádio que eu havia sido preso. Fiquei aliviado.”
Cassado em 18 de abril de 1980, Lula deixa a Presidência do sindicato (à esq.) e, na calçada, faz o último discurso antes de ser preso (à dir.) e indiciado no inquérito movido em nome do “Estado e suas Instituições” (detalhe)
Vídeo que faz parte da reportagem da revista Época São Paulo sobre os documentos, as testemunhas e as memórias da greve que manteve o presidente Lula por 31 dias na prisão
Sulamérica Trânsito
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