da Folha Online
Depois que quase 200 agentes tributários realizaram nesta quinta-feira uma blitz na sede do "Clarín", principal jornal da Argentina, o diretor da Administração Federal de Receitas Públicas (Afip, a Receita Federal argentina), Ricardo Echegaray, declarou que não sabia da operação e anunciou a demissão de dois responsáveis.
Fisco argentino realiza blitz no "Clarín"
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Classificada pelo jornal como uma forma de intimidação estatal, a operação aconteceu no dia em que o "Clarín" divulgou denúncia contra o Oncca (Escritório Nacional de Controle Comercial Agropecuário), também dirigido pelo chefe da receita, e marca mais um episódio de tensão entre o governo e a imprensa, que colocou em campos opostos a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o Grupo Clarín, proprietário ainda dos jornais "Olé" e "La Razon", de emissoras de TV, rádio, provedores de internet e TVs a cabo.
Fiscais da receita também foram a outros prédios do Grupo Clarín e as casas de dez de diretores do jornal. A operação durou mais de três horas, disse o Gerente de Comunicações Externas do Grupo, Martín Etchevers.
Segundo o "Clarín", Echegaray telefonou para a direção do jornal dizendo que a operação não teve seu consentimento. Em seguida, enviou uma carta, publicada pelo site do jornal, em que reafirma sua ignorância prévia em relação à ação, mas diz que a fiscalização contra as grande empresas vai continuar.
"Escrevo a vocês a presente com a finalidade de informar-lhe, em meu caráter de titular de Administrador Federal de receitas Públicas, NÃO [maiúsculas no original] me dispus a realizar qualquer procedimento especial de inspeção física nas instalações do Grupo Clarín", diz a mensagem assinada por Echegaray.
Entrevistado pelo canal de noticias TN, o responsável pela receita disse que afastara dois funcionários aos quais responsabilizou pela operação. Ele afirmou que tomou a atitude porque, embora as grande empresas estejam sujeitas a investigação, não havia ações marcadas para esta quinta-feira contra empresas de comunicação.
Segundo a denúncia publicada pelo jornal, o órgão agropecuário dirigido por Echegaray, identificado como "ultrakirchnerista" pelo texto, concedeu subsídio de mais de 10 milhões de pesos (R$ 4,7 milhões) a uma empresa pecuária que não tinham licença para operar. A empresa teria recebido uma inscrição temporária apenas depois de ter sido paga, como uma forma de disfarçar a suposta ilegalidade.
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Site do "Clarín" mostra fiscais da Administração Federal de Receitas Públicas argentina em frente à sede do jornal |
A operação dos ficais da Administração Federal de Receitas Públicas aconteceu no dia em que grupos argentinos e internacionais de defesa da liberdade de imprensa se reuniram na capital argentina para criticar o projeto de reforma de lei de telecomunicações defendida pela presidente Cristina Kirchner com o objetivo declarado de democratizar os meios de comunicação no país. Governistas criticam o que chamam de monopólio do Grupo Clarín, empresa que deve ser uma das mais afetadas pelas regras propostas, segundo especialistas.
O preço das ações do grupo ações fechou o dia com queda de 1,6% na Bolsa de Buenos Aires, enquanto a televisão local cobria a operação fiscal.
Mais cedo, um porta-voz da agência de impostos disse que a operação teve como objetivo analisar os livros ficais da empresa e seria semelhante às recentes inspeções realizadas em outras empresas. Mas porta-voz do Grupo Clarín questionou a operação e disse que a empresa foi um alvo escolhido a dedo pelo governo.
"Esse tipo de inspeção nunca aconteceu na história do 'Clarín'", disse Etchevers a um canal de TV local.
Na semana passada, o chefe do órgão de regulação de telecomunicações da Argentina comunicou um veto à fusão de duas TVs a cabo do país de propriedade do Grupo Clarín, uma decisão que também foi criticada pela direção da empresa.
O objetivo do governo é sancionar a nova lei de telecomunicações, que pretende revisar as regras que datam do período da última ditadura militar do país (1976-83), antes de 10 de dezembro, quando vai assumir o novo Congresso, escolhido em 28 de junho, em eleições nas quais o governo perdeu sua hegemonia na Câmara e no Senado.
O marido e antecessor da presidente, Néstor Kirchner, tem criticado publicamente a cobertura do "Clarín" sobre o governo, classificando-a de parcial, e descreve a empresa como um "monopólio". A oposição questiona diversos artigos do projeto e considera a iniciativa como parte de uma dura batalha entre o casal Kirchner e o poderoso grupo empresarial. O jornal, por sua vez, tem mantido uma cobertura crítica da proposta de reforma e da própria administração do país.
A Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e a Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (Adepa), entre outros grupos que reuniram nesta quinta-feira na sede do Senado criticaram duramente o projeto de lei de meios audiovisuais do governo.
"Consideramos que os princípios constitucionais e internacionais de reconhecimento e garantia da liberdade de expressão, e a proibição da censura prévia, são ameaçados a partir de disposições que concedem aos governantes amplos critérios de discricionaridade", assinala o documento divulgado ao fim do que foi chamado de Encontro pela Liberdade de Expressão.
As associações consideram que a importância da lei "requer um debate profundo" para "gerar um alto grau de consenso na sociedade, que garanta sua sobrevivência".
O vice-presidente argentino, Julio Cobos, que se afastou de Cristina Kirchner em 2008 e se tornou um de seus principais adversários, disse à imprensa nesta noite que ação contra o jornal parecia uma "atitude intimidatória" e "difícil de entender".
"Celebro que Echegaray tenha se retificado, mas terei que pedir-lhe mais explicações", disse o vice-presidente ao canal noticioso de TV a cabo Todo Noticias.
Com Reuters e France Presse
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