Existe
alguma interpretação positiva ou alguma leitura virtuosa para a
expressão “negro de alma branca”? Acho que não! Em outro post, que
chamarei de “Novas considerações sobre o racismo”, exporei em detalhes
como se manifesta a discriminação racial dos supostamente bem-pensantes,
que se querem “progressistas” e monopolistas da virtude. Mas fica para
daqui a pouco.
Pois bem. O
senhor Paulo Henrique Amorim, em seu blog, recorreu àquela expressão
asquerosa para definir Heraldo Pereira, repórter, comentarista político e
integrante da bancada do Jornal Nacional, da Rede Globo. Não foi a
única agressão de que o jornalista foi vítima. Segundo aquele senhor,
Pereira seria “empregado de Gilmar Mendes” e faria apenas “bico na
Globo”. Mais ainda: comentando a intervenção de um dos mais destacados
profissionais da emissora nas comemorações dos 30 anos do Jornal
Nacional, escreveu que ele “não conseguiu revelar nenhum atributo para
fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde.” É pouco? Ao
criticar uma entrevista que o jornalista conduziu com Mendes, mandou
ver: “Pereira se agacha, se ajoelha para entrevistar Ele.”
Pois é… Não
restava mesmo outro caminho que não o Judiciário. Havia dois processos,
um na área criminal, ainda em curso — com denúncia feita pelo Ministério
Público Federal e já aceita pela Justiça, por crime de injúria racial e
racismo —, e outro na área cível, que tem agora um desfecho. Amorim
terá de pagar uma indenização de R$ 30 mil a uma instituição de caridade
indicada por Pereira, será obrigado a retirar do seu blog todos os
ataques feitos ao jornalista e se obriga a publicar em sua página e nos
jornais Folha de S.Paulo e Correio Braziliense a seguinte retratação:
“Retratação de Paulo Henrique Amorim, concernente à ação 2010.01.1.043464-9:
Que reconhece Heraldo Pereira como jornalista de mérito e ético; que Heraldo Pereira nunca foi empregado de Gilmar Mendes; que, apesar de convidado pelo Supremo Tribunal Federal, Heraldo Pereira não aceitou participar do Conselho Estratégico da TV Justiça; que, como repórter, Heraldo Pereira não é nem nunca foi submisso a quaisquer autoridades; que Heraldo Pereira não faz bico na Globo, mas é funcionário de destaque da Rede Globo; que a expressão ‘negro de alma branca’ foi dita num momento de infelicidade, do qual se retrata, e não quis ofender a moral do jornalista Heraldo Pereira ou atingir a conotação de racismo.”
Que reconhece Heraldo Pereira como jornalista de mérito e ético; que Heraldo Pereira nunca foi empregado de Gilmar Mendes; que, apesar de convidado pelo Supremo Tribunal Federal, Heraldo Pereira não aceitou participar do Conselho Estratégico da TV Justiça; que, como repórter, Heraldo Pereira não é nem nunca foi submisso a quaisquer autoridades; que Heraldo Pereira não faz bico na Globo, mas é funcionário de destaque da Rede Globo; que a expressão ‘negro de alma branca’ foi dita num momento de infelicidade, do qual se retrata, e não quis ofender a moral do jornalista Heraldo Pereira ou atingir a conotação de racismo.”
Só para que
vocês tenham uma idéia de como se deram as coisas, em sua defesa,
referindo-se à expressão “negro de alma branca”, o réu Amorim chegou a
afirmar (transcrevo literalmente):
“Com efeito, consistindo o racismo na crença de determinado grupo de pessoas de ser superior a outro, recriminando os indivíduos com base em características físicas, tais como a cor, forçoso concluir que a matéria em discussão não se enquadra no conceito racista, não possui cunho pejorativo e não menosprezou quem quer que seja, como pretendido pelo contestado, pelo contrário, enalteceu o jornalista Heraldo Pereira que, atualmente assume posição de destaque no jornalismo da Rede Globo.”
“Com efeito, consistindo o racismo na crença de determinado grupo de pessoas de ser superior a outro, recriminando os indivíduos com base em características físicas, tais como a cor, forçoso concluir que a matéria em discussão não se enquadra no conceito racista, não possui cunho pejorativo e não menosprezou quem quer que seja, como pretendido pelo contestado, pelo contrário, enalteceu o jornalista Heraldo Pereira que, atualmente assume posição de destaque no jornalismo da Rede Globo.”
Vale dizer: o réu insistiu na tese de que “negro de alma branca” é, na verdade, um elogio…
Bem, meus
caros, o que vai acima remete a um debate muito importante que está em
curso no Brasil. Ele diz mais do que parece sobre certas convicções
supostamente democráticas.
Heraldo Pereira ajuda a civilizar o Brasil.
Heraldo Pereira torna melhor o grupo a que todos pertencemos: a raça humana.
Heraldo Pereira não é a vingança da minoria, mas o triunfo da maioria: a maioria dos homens decentes e de bem!
Heraldo Pereira ajuda a civilizar o Brasil.
Heraldo Pereira torna melhor o grupo a que todos pertencemos: a raça humana.
Heraldo Pereira não é a vingança da minoria, mas o triunfo da maioria: a maioria dos homens decentes e de bem!
Parabéns, Heraldo!
Por que alguém se considera
no direito de tachar um dos jornalistas mais talentosos e mais
bem-preparados de sua geração de “negro de alma branca” e de afirmar que
ele “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso,
além de ser negro e de origem humilde”, como fez um senhor chamado Paulo
Henrique Amorim com Heraldo Pereira? Minhas caras, meus caros, essa
história vem de longe. E será preciso apelar aqui à origem de certas
idéias, que acabaram definindo alguns paradigmas. Antes que entre
propriamente no aspecto mais perverso e quase invisível do racismo,
terei de fazer algumas considerações.
Vocês
conhecem bem os ataques de que sou alvo porque me oponho, por exemplo, à
política de cotas raciais. Alguns militantes da causa, brancos e
negros, acusam-me, por isso, de “racista”. Não vou debater cotas agora
porque desviaria este post de seu propósito. Já escrevi muito a
respeito. Pretendo abordar um aspecto do racismo que a muitos passa
despercebido porque praticado, ou cultivado, por supostos porta-vozes de
causas consideradas “progressistas” ou “de esquerda”, como queiram.
Nesta
madrugada, publiquei um longo post sobre o livro “Aguanten Los K”, do
jornalista argentino Carlos M. Reymundo Roberts. Recomendo o artigo a
quem não o tenha lido. Roberts trata justamente das hordas de
partidários do “kirchnerismo” que atuam nos blogs, no Twitter e até nas
rádios, para reproduzir as verdades eternas do governismo e tentar
destruir a reputação daqueles considerados “inimigos”. Na Argentina como
no Brasil, esses vagabundos são alimentados por dinheiro público e
obedecem a um comando partidário. Lá, são “Los K”; aqui, são “os
petralhas”. Tentam dividir o mundo em duas metades: a boa, “progressista
e de esquerda” (eles), e a má, “reacionária e de direita” (os outros).
Outra
referência bibliográfica importante nesse debate é “O Fascismo de
Esquerda”, do jornalista americano Jonah Goldberg. O autor procede a uma
breve reconstituição histórica de alguns valores tidos nos EUA como
“liberais” (lá, essa palavra quer dizer “à esquerda”) e evidencia o seu
parentesco com teses e proposta do fascismo. Nos melhores momentos do
livro, demonstra como as propostas mais autoritárias, discriminatórias
mesmo!, podem ser consideradas verdadeiros poemas humanistas, desde que
abraçadas por “liberais”, e como valores ligados aos direitos
fundamentais do homem podem ser tidos como “autoritários” se defendidos
por conservadores. A síntese é esta: os ditos “progressistas” serão
sempre progressistas, mesmo quando reacionários; e os ditos
“reacionários” serão sempre reacionários, mesmo quando progressistas. As
esquerdas, em suma, mundo afora, se tornam “donas do humanismo”.
Atenção,
meus queridos! Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que
seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus
apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala
em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas
as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.
Todas as
ditaduras são asquerosas, de direita ou de esquerda. Mas as de esquerda
são mais longevas e matam muito mais — incomparavelmente mais — porque
seus assassinos falam em nome do bem da humanidade. Hitler era um
facínora vagabundo, um recalcado homicida, que falava claramente em nome
de um grupo, de uma “raça”. Já o seu antípoda complementar, Stálin, era
tido como arauto de uma “nova humanidade”. Com razão e para o bem da
civilização, os partidários do bigodinho assassino são reprimidos mundo
afora; sem razão e para o mal da civilização, os admiradores do bigodão
assassino ainda estão por aí, pautando, muitas vezes, o “debate de
resistência”. Não é preciso ir longe. Integrantes dos governos petistas
que tentaram instalar uma ditadura stalinista no Brasil, Dilma
inclusive, dizem hoje se orgulhar da luta pela “democracia”… É uma
mentira grotesca. Muito bem! E o que isso tudo tem a ver com Heraldo Pereira?
Vamos ao centro do racismo
É possível estabelecer a genealogia da discriminação racial nos vários países, inclusive no Brasil. Por razões específicas, na Europa e na Rússia, por exemplo, ela se voltou contra os judeus; no Brasil, contra os negros; na África subsaariana, contra tribos originalmente rivais — já que a cor da pele não tem importância. Combater a cultura e a prática da discriminação é um imperativo moral e ético. É matéria que diz respeito à civilização. A causa não é propriedade privada de uma ideologia, de um partido político ou de ONGs, movimentos sociais e seus associados.
É possível estabelecer a genealogia da discriminação racial nos vários países, inclusive no Brasil. Por razões específicas, na Europa e na Rússia, por exemplo, ela se voltou contra os judeus; no Brasil, contra os negros; na África subsaariana, contra tribos originalmente rivais — já que a cor da pele não tem importância. Combater a cultura e a prática da discriminação é um imperativo moral e ético. É matéria que diz respeito à civilização. A causa não é propriedade privada de uma ideologia, de um partido político ou de ONGs, movimentos sociais e seus associados.
O racismo
bronco pode ser enfrentado com clareza porque visível. Os estúpidos, os
bucéfalos, que saem por aí a vociferar o seu ódio contra negros, por
exemplo, praticam o que costumo chamar de “racismo de primeiro grau”.
São crus, desprovidos de qualquer ambição intelectual, mal escondem o
seu recalque: ou acham que um negro bem-sucedido está a ocupar um lugar
que lhes caberia por direito natural ou entendem que a presença do
“outro” ameaça o seu próprio status. Merecem ser duramente enfrentados
nas ruas, nas escolas, nas empresas, nos tribunais. Não, não acredito
que o caminho sejam as cotas, mas, reitero, não entro nesse mérito
agora.
O racismo de segundo grau
Já o racismo de segundo grau é coisa mais complicada. Embora seus cultivadores se digam inimigos da discriminação e aliados de todos os grupos que lutam pelos direitos das minorias, não compreendem — e, no fundo, não aceitam — que um negro possa ser bem-sucedido em sua profissão A MENOS QUE CARREGUE AS MESMAS BANDEIRAS QUE ELES DIZEM CARREGAR!
Já o racismo de segundo grau é coisa mais complicada. Embora seus cultivadores se digam inimigos da discriminação e aliados de todos os grupos que lutam pelos direitos das minorias, não compreendem — e, no fundo, não aceitam — que um negro possa ser bem-sucedido em sua profissão A MENOS QUE CARREGUE AS MESMAS BANDEIRAS QUE ELES DIZEM CARREGAR!
Eis, então,
que um profissional com as qualidades de Heraldo Pereira os ofende
gravemente. Sim, ele é negro. Sim, ele tem “uma origem humilde”. Ocorre
que ele chega ao topo de sua profissão mesmo no país em que há muitos
racistas broncos e em que a maior discriminação ainda é a de origem
social. E chegou lá sem fazer o gênero do oprimido reivindicador, sem
achar que o lugar lhe pertencia por justiça histórica, porque, afinal,
seus avós teriam sido escravos dos avós dos brancos com os quais ele
competiu ou que a luta de classes lhe roubou oportunidades.
Sabem o que
queriam os “racistas de segundo grau”, essas almas caridosas que adoram
defender minorias? Que Heraldo Pereira estivesse na Globo, sim, mas com o
esfregão na mão e muito discurso contra o racismo na cabeça. Aí, então,
eles poderiam dizer: “Vejam, senhores!, aquele negro! Por que ele não
está na bancada do Jornal Nacional?” Ocorre que Heraldo ESTÁ na bancada
do Jornal Nacional. E sem pedir licença a ninguém. Enquanto alguns
negros, brancos, amarelos ou vermelhos choramingavam, o jornalista
Heraldo Pereira foi estudar direito na Universidade de Brasília.
Enquanto alguns se encarregavam de medir o seu “teor de negritude
militante”, ele foi fazer mestrado — a sua dissertação: “Direito
Constitucional: Desvios do Constituinte Derivado na Alteração da Norma
Constitucional”.
Quando se
classifica alguém como Heraldo de “negro de alma branca” — e já ouvi
cretinos a dizer a mesma coisa sobre Barack Obama porque também
insatisfeitos com a sua pouca disposição para o ódio racial —, o que se
pretende, na verdade, é lhe impor uma pauta. Atenção para isto:
- por ser negro, ele seria menos livre do que um branco, por exemplo, porque estaria obrigado a aderir a uma determinada pauta;
- por ser negro, ele teria menos escolhas, estando condenado a fazer um determinado discurso que os “donos das causas” consideram progressista;
- ao nascer, portanto, negro ele já nasceria escravo de uma causa.
- por ser negro, ele seria menos livre do que um branco, por exemplo, porque estaria obrigado a aderir a uma determinada pauta;
- por ser negro, ele teria menos escolhas, estando condenado a fazer um determinado discurso que os “donos das causas” consideram progressista;
- ao nascer, portanto, negro ele já nasceria escravo de uma causa.
Heraldo os
ofende porque diz, com todas as letras e com sua brilhante trajetória
profissional: “Sou o que quero ser, o que decidi ser, o que estudei para
ser, o que lutei para ser. Eu escolho, não sou escolhido! Sou senhor da
minha vida, não um serviçal daqueles que dizem querer me libertar”.
Heraldo os ofende porque não precisa que brancos bem-pensantes pensem
por ele. E há ainda uma ofensa adicional: não é reconhecido como um
“progressista com carteirinha do partido”.
Que pena os
racistas de segundo grau não poderem passar a mão na cabeça de Heraldo
Pereira, condoídos com a sua condição de vítima não é!? Em vez disso,
quem está no topo é Heraldo. Os que gostariam de sentir dele aquela pena
militante só caminham para a lata de lixo do racismo de segundo grau.
Ladrões de alma
Caminhando para o encerramento, noto ainda que a expressão “negro de alma branca” pretende roubar do alvo da ofensa a sua individualidade, de modo a transformá-lo numa monstruosidade moral, sem lugar. Por negro, Heraldo seria sempre um estranho entre os brancos. Por ter a alma branca, sendo negro, tentaria forjar uma identidade que não é a sua. Não é difícil concluir que este ser, então, não teria lugar nem entre os brancos nem entre os negros.
Caminhando para o encerramento, noto ainda que a expressão “negro de alma branca” pretende roubar do alvo da ofensa a sua individualidade, de modo a transformá-lo numa monstruosidade moral, sem lugar. Por negro, Heraldo seria sempre um estranho entre os brancos. Por ter a alma branca, sendo negro, tentaria forjar uma identidade que não é a sua. Não é difícil concluir que este ser, então, não teria lugar nem entre os brancos nem entre os negros.
Esse caso,
meus caros, expõe as entranhas do pior lixo racista, que é aquele
praticado pelos ditos “progressistas”. Como é mesmo?
“Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.”
“Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.”
Heraldo Pereira é um homem livre — livre, inclusive, da agenda que queriam lhe impor. E isso lhes parece imperdoável.
PS - Ah, sim! Prestem atenção ao silêncio ensurdecedor dos ditos “progressistas”… Humanos de todo o mundo, uni-vos: a classe petralha é internacional! Ou: “O sonho de minha vida é ser um blogueiro petralha”
O
texto ficou um tantinho longo. Mas acho que vale a pena ler até o fim.
Há aqui uma dica de leitura. Imaginavam-me, no Carnaval, só com os pés
na areia e a cabeça nas nuvens? Não! Estava pensando em vocês!
*
Um amigo jornalista me deu um presente delicioso: o livro “Aguanten Los K” (”Agüentem os K”), do jornalista argentino Carlos M. Reymundo Roberts, publicado pela editora Sudamericana. E quem são “los K”? São os petralhas da Argentina; é como são conhecidos os partidários furiosos, ensandecidos, fanáticos mesmo, do casal Kirchner — no momento, de Cristina; Néstor, que morreu no dia 27 de outubro de 2010, já virou mito e estátua. No Brasil, o livro poderia se chamar “O País dos Petralhas”, hehe… ”Aguanten Los K” reúne uma coletânea de artigos publicados na coluna “De no creer” entre 15 de janeiro de 2010 e 20 de agosto de 2011. Jornalista experiente, Roberts cobriu duas guerras (a do Golfo, em 1991, e do Peru com o Equador, em 1995), é professor universitário, um dos comandantes da redação do La Nacíon e colunista do jornal, onde trabalha há mais de 30 anos. Conhece o seu ofício.
*
Um amigo jornalista me deu um presente delicioso: o livro “Aguanten Los K” (”Agüentem os K”), do jornalista argentino Carlos M. Reymundo Roberts, publicado pela editora Sudamericana. E quem são “los K”? São os petralhas da Argentina; é como são conhecidos os partidários furiosos, ensandecidos, fanáticos mesmo, do casal Kirchner — no momento, de Cristina; Néstor, que morreu no dia 27 de outubro de 2010, já virou mito e estátua. No Brasil, o livro poderia se chamar “O País dos Petralhas”, hehe… ”Aguanten Los K” reúne uma coletânea de artigos publicados na coluna “De no creer” entre 15 de janeiro de 2010 e 20 de agosto de 2011. Jornalista experiente, Roberts cobriu duas guerras (a do Golfo, em 1991, e do Peru com o Equador, em 1995), é professor universitário, um dos comandantes da redação do La Nacíon e colunista do jornal, onde trabalha há mais de 30 anos. Conhece o seu ofício.
Néstor
Kirchner, amparado pela mulher, que o sucedeu, ascendeu ao poder com o
apoio majoritário da imprensa. Dada a penúria a que havia chegado a
Argentina e considerando a razoável, mas precária, estabilidade
alcançada, o casal foi se tomando de ares imperiais. Hoje, Cristina pode
ser colocada na galeria dos líderes latino-americanos que nutrem um
desprezo muito pouco solene pelas regras da convivência democrática, na
companhia de Hugo Chávez, Rafael Correa e Daniel Ortega. A sua investida
contra a imprensa independente do país é só a face mais visível de seus
arroubos autoritários. Não me estenderei agora sobre esse particular.
Quero falar sobre o livro de Roberts — de que traduzo um artigo que nos
fala de perto, como vocês lerão.
Liberal
convicto, o autor recorreu a um truque inteligente em sua coluna.
Resolveu escrever como alguém que tivesse se convertido à religião
Kirchner. Criou um “alter ego” adesista, governista a mais não poder,
entusiasmado mesmo! Apresenta-se, assim, com uma personalidade dividida,
esquizofrênica. O editor se obriga a ser imparcial, crítico, severo,
guardião dos valores democráticos. Mas o colunista… Deixemos que os dois
se apresentem.
O jornalista
”Quero me apresentar: sou Carlos María Reymundo Roberts, jornalista do La Nacíon há mais de trinta anos. Profundamente liberal, estou entre os antípodas do kirchenerismo. Trabalho, porém, num diário que não faz oposição, mas jornalismo independente.”
”Quero me apresentar: sou Carlos María Reymundo Roberts, jornalista do La Nacíon há mais de trinta anos. Profundamente liberal, estou entre os antípodas do kirchenerismo. Trabalho, porém, num diário que não faz oposição, mas jornalismo independente.”
O colunista
“Quero me apresentar: sou Carlos M. Reymundo Roberts e, sob esta rubrica, público há pouco mais de um ano uma coluna política no diário La Nacíon. No início, foi, reconheço, um espaço editorial duro com os Kirchner, ainda que não só com eles. Na verdade, nem era tão duro, porque a minha não é a linguagem de quem pontifica, mas a de quem tem um olhar bem-humorado, mordaz, dos acontecimentos políticos. Como a muitos argentinos, a morte de Néstor, no fim de outubro de 2010, produziu em mim uma forte comoção. Primeiro em meu espírito; depois em minhas idéias. Dois meses depois, eu era um kirchnerista puro e duro e, por isso, pus minha coluna a serviço da causa.”
“Quero me apresentar: sou Carlos M. Reymundo Roberts e, sob esta rubrica, público há pouco mais de um ano uma coluna política no diário La Nacíon. No início, foi, reconheço, um espaço editorial duro com os Kirchner, ainda que não só com eles. Na verdade, nem era tão duro, porque a minha não é a linguagem de quem pontifica, mas a de quem tem um olhar bem-humorado, mordaz, dos acontecimentos políticos. Como a muitos argentinos, a morte de Néstor, no fim de outubro de 2010, produziu em mim uma forte comoção. Primeiro em meu espírito; depois em minhas idéias. Dois meses depois, eu era um kirchnerista puro e duro e, por isso, pus minha coluna a serviço da causa.”
O editor
reconhece que o modelo Kirchner é intolerante, aniquila a
institucionalidade e destrói os valores republicanos. Já o colunista
adesista acha que isso não é assim tão mau… Pode não ser, diz, uma
“institucionalidade clássica, mas é a nossa”. O editor admite, atenção!,
que “o governo cooptou e
neutralizou todos os organismos de controle, que comprou prefeitos,
governadores, opositores, juízes, intelectuais, sindicalistas,
empresários jornalistas”. Já o colunista adesista pensa que “os
prefeitos, governadores, sindicalistas, empresários e jornalistas se
convenceram das bondades do modelo; os juízes julgam acertado o que
estamos fazendo, e os intelectuais abraçam a causa nacional e popular
porque nós os reconciliamos com suas velhas idéias e lhes demos uma
razão para existir”.
Vejam só! O
que em Roberts é uma blague, uma graça, uma saída irônica, é, em boa
parte do jornalismo brasileiro, uma esquizofrenia verdadeira. Quantas
vezes vocês já não viram colunistas muito vetustos e severos a anuir
com arroubos autoritários do petismo, achando que, afinal, é preciso
mesmo pagar um preço “pela mudança”? As duas faces do jornalista
argentino, separadas pelo humor, assumem, em certo jornalismo
brasileiro, a gravidade de uma categoria de pensamento.
Humor
Como alguém que pretende se irmanar com os petralhas — ooops!, com “Los K” —, Roberts é desmedido no seu amor pelo governo e elogia, é claro!, algumas notáveis barbaridades. E aqui está uma graça adicional do livro. A cada artigo, segue-se a publicação de uma série de comentários. E a gente se dá conta da miséria intelectual destes tempos. Alguns admiradores e adversários do kirchnerismo percebem a ironia; os primeiros o desqualificam; os outros o aplaudem. Mas há aquele, de um lado e de outro, que tomam tudo ao pé da letra, e as posições, então, se invertem: os K o elogiam largamente, e os críticos do oficialismo lhe dão uma carraspana.
Como alguém que pretende se irmanar com os petralhas — ooops!, com “Los K” —, Roberts é desmedido no seu amor pelo governo e elogia, é claro!, algumas notáveis barbaridades. E aqui está uma graça adicional do livro. A cada artigo, segue-se a publicação de uma série de comentários. E a gente se dá conta da miséria intelectual destes tempos. Alguns admiradores e adversários do kirchnerismo percebem a ironia; os primeiros o desqualificam; os outros o aplaudem. Mas há aquele, de um lado e de outro, que tomam tudo ao pé da letra, e as posições, então, se invertem: os K o elogiam largamente, e os críticos do oficialismo lhe dão uma carraspana.
A exemplo de
“O País dos Petralhas” no Brasil — modéstia às favas —, a seleção de
artigos de Roberts serve como retrato de um período infeliz da política
argentina; é visível que os instrumentos da democracia são usados pelo
governo para solapar a própria democracia. Roberts inova, no entanto, ao
criar esse “alter ego” governista, que expõe, pelo caminho da adesão, o
ridículo do oficialismo. Fiquei cá pensando em dar vida à versão
vermelha do Reinaldo Azevedo… Garanto que essa minha versão abestada
saberia elogiar o governo com mais competência do que algumas expressões
momescas do lulo-petismo.
Blogs
Também na Argentina — e em toda parte —, é na Internet que a canalha fascistóide se manifesta com mais virulência. Traduzo, abaixo, um dos artigos do livro, que nos fala — a mim e a vocês — mais de perto. Vejam como a “classe petralha é internacional” e como os esbirros do poder nunca surpreendem. Vocês lerão um artigo de Roberts sobre o atual momento da política argentina e ficarão com a impressão de que ele fala do Brasil. Divirtam-se.
*
O sonho de minha vida: ser um blogueiro K
Também na Argentina — e em toda parte —, é na Internet que a canalha fascistóide se manifesta com mais virulência. Traduzo, abaixo, um dos artigos do livro, que nos fala — a mim e a vocês — mais de perto. Vejam como a “classe petralha é internacional” e como os esbirros do poder nunca surpreendem. Vocês lerão um artigo de Roberts sobre o atual momento da política argentina e ficarão com a impressão de que ele fala do Brasil. Divirtam-se.
*
O sonho de minha vida: ser um blogueiro K
Já sei o que
quero ser quando crescer: um blogueiro K. Se a vida quer me dar um
presente, peço este: fazer parte de um exército de homens e mulheres
deste país que, dia após dia, faça chuva ou faça sol, tomam a lança e
saem em defesa do seu governo, mais para matar do que para morrer.
Em tempos de
descrença generalizada, de fim das ideologias, de individualismo feroz,
eles se agrupam para uma batalha diária contra os meios de comunicação e
seus esbirros, os jornalistas.
A cena há de
ser comovedora: milhares de jovens (bem, assim pensava eu, mas me dizem
que os há de todas as idades), por pura vocação, movidos por suas mais
profundas convicções democráticas e em defesa da pátria, acordam quando
ainda está escuro, lêem rapidinho jornais e sites na Internet, detectam
um inimigo e, antes mesmo de tomar um café ou de escovar os dentes, já
estão armados, na frente de seu PCs. Convictos, entusiasmados, dão
início à segunda parte de seu trabalho, que, na verdade, nem é tão
complicada: consiste, basicamente, em destruir o autor do texto que
ousou criticar o governo.
Destruí-lo
significa isto: esmagá-lo, mexer com a sua vida, com a sua história, com
seu nome, até com a sua aparência, pouco importa. Não é uma guerra de
argumentos, claro! Eles não são necessários, e isso é o mais tentador do
trabalho: se alguém critica os Kirchner, isso se deve ao fato de ser
reacionário, fascista, atrasado; de estar a serviço da Sociedade Rural,
do neoliberalismo e do capitalismo selvagem; ou, então, só o faz porque
os donos do veículo de comunicação o obrigaram a escrever aquilo.
Para esse
exército de esforçados servidores, não importa, ou importa muito pouco, o
que diz o artigo em questão. Coitados! No apuro, nem tiveram tempo de
lê-lo. Sabujos treinados, o título já lhes dá a pista. Temo que, de
forma maliciosa, um dia alguém ainda escreverá um longo elogio ao
governo, deixando claro na última linha que todo o que veio antes é uma
farsa. Que horror! Quantos blogueiros K vão cair na armadilha! Algum
deles chegará até a última linha?
O slogan dos
nossos heróis parece ser este: é preciso entrar logo nos fóruns da
Internet, nos blogs, no Twitter e deixar a marca. É preciso pautar o
debate e fazê-lo antes dos inimigos: aqueles que gostaram do texto. Para
estes, também haverá fogo, é claro!, mas sem perder de vista que são
apenas soldados. O general é o autor do artigo. É preciso convencê-lo de
que teria sido melhor escrever na revista dos bombeiros voluntários de
seu bairro.
Será que é a
admiração que me leva a identificar um blogueiro K e a não confundi-lo
com qualquer outro defensor do governo? Não, não é a admiração, mas o
cheiro! Há um certo ar de família nos blogueiros oficiais. Eles são
madrugadores, são furiosos, não perdem tempo discutindo motivos; ficam
horas diante das telas de computador, amam a desqualificação e não
mostram a menor intenção de ceder nada a ninguém, nunca!
Outra
característica comum é a sua reação quando alguém os descobre e os acusa
— com total injustiça, é claro! — de trabalhar a soldo da Casa Rosada.
Então seus mais baixos instintos despertam (se é que já não estavam
despertos) e atacam sem piedade. Alguém comentava outro dia que era
muito fácil entrar em um fórum e distingui-los: “Não argumentam; só
insultam e agridem”.
Dias atrás,
publiquei no Twitter a suspeita de que essa tropa de choque da Internet
também tem a sua divisão nos programas de rádio que veiculam as
mensagens dos ouvintes. Alguns telefonemas em certo programa da manhã me
pareceram muito suspeitos. Alguém respondeu que era assim mesmo: são os
“telefonadores K”, superiores, na hierarquia, aos “tuiteiros K”, mas
inferiores aos blogueiros K “, uma espécie de tropa de elite. Concluí
que nem mesmo os Kirchner, tão igualitários, conseguiram impedir que, em
suas fileiras, reine a luta de classes e a discriminação.
Dada a minha
intenção de ser um dia um desses soldados, estou cheio de perguntas.
Quem os comanda? Quantos são? Como são recrutados? Quantas horas é
preciso dedicar à causa? E o grande tema: ok, aceito que não recebam um
peso, que seja tudo vocação, que seja tudo espontâneo…, mas alguém
poderia me dizer a quanto chega esse soldo que não cobram?
A propósito:
também me pergunto como este corpo tão coeso, tão uniforme, lerá este
texto que lhe dedico. Entenderão que está escrito com a intenção do
elogio, do reconhecimento, ou vão acreditar, numa leitura superficial,
que isto é uma crítica, mais uma das muitas que recebem nestes tempos?
Há apenas uma forma de sabê-lo: dar o texto por terminado e ouvi-los.
Soldados, se chegaram até aqui, sigam em frente; vocês têm a palavra.
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