Hugo Chávez, o tiranete de fancaria da Venezuela, está com câncer? O que resta de jornalismo independente na Venezuela, que ainda não foi esmagado ou comprado pelo ditador, diz que sim. Estar ou não estar gravemente doente é um dado importante para a sociedade venezuelana? É claro que sim! E por razões óbvias: o chavismo - ou, como quer o Beiçola de Caracas, o “bolivarianismo” - só existe com ele. Trata-se da invenção de um homem. É a forma que tomou naquele país a exploração vigarista de um conceito vigarista: a luta de classes. Mutatis mutandis, o mesmo se passa no Brasil com o petismo, embora a equação, por aqui, seja bem mais sofisticada.
Quando o PT chegou ao poder, o país já tinha instituições mais complexas do que a Venezuela, criadas pela redemocratização e fortalecidas por FHC. Lula sempre exerceu um poder com uma mímica unipessoal - “eu faço, eu aconteço, eu decido” -, mas sabemos que, de fato, para a sua melancolia, as coisas nunca se deram dessa maneira. Sempre teve de negociar, especialmente com o Congresso - daí que tenha tentado comprá-lo, como evidencia o escândalo do mensalão. Mas eu estou com Noam Chomsky de um jeito que ele certamente repudiaria: em muitos aspectos, não há grandes diferenças entre Chávez e Lula: a principal obra de cada um morrerá com seu autor. Assim, caso Chávez vá mesmo encarar o diabo de frente, o bolivarisnismo desmorona, para o bem da Venezuela. Também o PT, na forma como o conhecemos, chegará ao fim quando Lula já não mais estiver entre nós - ou entre vocês, hehe. E também será para o bem do Brasil. Chávez morrer mais cedo ou mais tarde implica os venezuelanos serem livres mais cedo ou mais tarde. Sigamos.
O ditador voltou à Venezuela depois de 25 dias de ausência, “surpreendendo” os meios políticos. Oficialmente, passou por três cirurgias e retirou um tumor cancerígeno. Aqueles setores não-rendidos da imprensa venezuelana dizem que é na próstata, mas ninguém sabe ao certo. Discursando de um balcão no Palácio de Miraflores para milhares de pessoas, na véspera dos 200 anos de independência do país, não teve receio de mergulhar no patético, dando vivas aos mortos-vivos: “Viva Cuba! Viva Fidel! Viva a Venezuela! Viva Chávez!”. E avançou: “Começou o meu retorno. Quero agradecer pessoalmente tanto apoio e manifestações de amor. O amor é o melhor remédio para qualquer doença. Obrigado por esse banho de amor tão especial, não só aqui na Venezuela, mas em todos os lugares do mundo”.
E anunciou que vencerá a doença!
O câncer é um golpe publicitário de Chávez, que vê a oposição crescer no país e seu “socialismo” naufragar? A resposta é esta: “Sim”, pouco importa se ele está doente ou não. É por isso que brinquei que apelaria a Aristóteles. A verdade, nesse caso, só terá importância se Chávez morrer, mas isso não seria para agora. No momento, o que interessa é o verossímil, o drama que ele representa, aquilo em que se empenha para que a maioria acredite: o mito do herói que vai vencer a doença.
O tiranete está em busca de datas simbólicas. Segundo disse, a “batalha” começou a ser vencida a 24 de junho, dia do Exército venezuelano. “Nesse dia, começou o meu retorno. Foi no dia do Exército, recordando Bolívar, representando a batalha do seu Exército. E estou aqui após dez dias apenas. É um milagre. A revolução está mais viva do que nunca, eu sinto isso”!
Não são poucos os setores da oposição, escaldada por muitas derrotas e pela impressionante capacidade que Chávez tem de mentir, que asseguram que tudo não passa de um golpe, de uma cena, montada com a ajuda de Fidel Castro. Enfraquecido por uma economia alquebrada, com uma inflação que passa a casa dos 25% ao ano, correndo riscos eleitorais, teria lançado mão de um último recurso, que marcou a história de seu ídolo, o próprio Fidel: a sobrevivência à morte. Aquele teria escapado vivo de mais de uma centena de atentados patrocinados pela CIA. Isso não cola mais na era do jornalismo em tempo real. Então o Beiçola teria optado pelo insondável: a doença. Em qualquer dos casos, a idéia que se sobressai é a de predestinação. Que há alguns dados suspeitos no conjunto da obra, isso é inequívoco.
Um dia antes de Chávez admitir publicamente o câncer, por exemplo, os venezuelanos no exílio antecipavam a existência da doença, mas afirmavam que seu estado era crítico. Pouco depois, ele aparece na TV cubana batendo um papinho com Fidel; em seguida, faz um pronunciamento. A chance de que os “bolivarianos” tenham se infiltrado entre os adversários proscritos é gigantesca.
É claro que o câncer pode ser uma moeda eleitoral. Foi no Brasil. Auxiliares de Chávez lembraram disso sem nenhum poder. Não vou aqui fazer sociologia apressada, mas o fato é que alguém acometido de uma grave doença é o suficiente para espantar votos de anglo-saxões; na América Latina, louva-se o heroísmo do doente, como se um eventual pior desfecho fosse um risco para o morto, não para o país. Lembro que a imprensa americana tratou sem falsos pudores do melanoma que havia acometido o então candidato republicano John McCain, na disputa contra Barack Obama. No Brasil, quando este assunto foi abordado, sempre se falava da impressionante capacidade de Dilma de superar as dificuldades. A América Latina não se importa em perder o bonde por delicadeza…
Os setores da imprensa venezuelana que asseguram que o ditador está realmente doente são bastante profissionalizados. O mais provável é que seja mesmo verdade. Isso não quer dizer, no entanto, que Chávez não possa transformar sua doença, como está fazendo, numa farsa eleitoral. Quando alguém como ele está no poder, a verdade não tem a menor importância.
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