Dilma fez 20 comícios e concedeu 68 entrevistas durante a campanha,maratona que pôs à prova seus nervos
02 de outubro de 2010 | 15h 42
Vera Rosa, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Eram 21h15 de segunda-feira, 27 de setembro, quando a candidata do PT, Dilma Rousseff, pôs à prova os limites de seu temperamento explosivo. Ao deixar o palanque do último comício da campanha, em São Paulo, ensopada após forte chuva, Dilma foi obrigada a aguardar 15 minutos, numa sala VIP do Sambódromo, antes de chamar os repórteres para entrevista.
"O que nós estamos esperando?", perguntou ela ao presidente do PT de São Paulo, Edinho Silva. Com os cabelos desalinhados por causa do toró, Dilma estava ansiosa para anunciar o apoio de Celso Russomanno, candidato do PP ao governo paulista, à sua campanha. Detalhe: Russomanno é aliado de Paulo Maluf – ex-desafeto do PT num passado não muito distante.
A petista ouviu como resposta, naquela noite de primavera, que todos ali aguardavam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se acomodar em outra sala, ao lado da ocupada por ela.
"C’est la vie", resignou-se Dilma. Acostumada a ser didática, ela mesma traduziu o comentário: "A vida é assim."
Mais paciente. Com chance de ser eleita hoje a primeira mulher presidente do Brasil, Dilma garante que os três meses de campanha eleitoral a tornaram mais paciente.
"A interação com as pessoas é algo fantástico. Elas pegam em você, abraçam, beijam, falam que vão rezar por sua saúde. A energia do povo me fez mudar por dentro", disse ao Estado a ex-ministra da Casa Civil, que no ano passado enfrentou um câncer no sistema linfático.
Desde 6 de julho, quando foi dada a largada oficial da campanha, Dilma fez 20 comícios em 14 Estados. Foi levada a tiracolo por Lula – criador de sua candidatura – a 19 deles. Em apenas um desses atos o presidente não pôde acompanhá-la.
A estratégia de colar a imagem de Lula, líder carismático, à fisionomia de Dilma começou a dar resultado após o início da propaganda política, em 17 de agosto. Batizada por eleitores de classes menos favorecidas como "mulher do Lula", "dona Zilma" e "Vilma do chefe", Dilma iniciou sua primeira campanha recitando números em sonolentas explanações e terminou usando "cacos" empregados por seu padrinho. Um deles consiste em citar o nome de alguém da plateia para personalizar o discurso.
Nem mesmo a bota ortopédica que a candidata passou a exibir no mês passado, após torcer o pé ao descer da esteira, a impediu de andar de um lado para outro no palanque, como faz Lula. Frases ditas pelo tutor, como "por trás de cada número há sempre um homem, uma mulher, uma criança", também frequentaram o repertório de Dilma.
Dezenove dias antes do início do horário gratuito, porém, uma preocupação rondou o comitê petista e levou Dilma a procurar Lula. Em conversa com ele na suíte de um hotel, em Porto Alegre, pouco antes do comício daquela noite, a candidata fez um apelo. "Presidente, o senhor tem de se manifestar sobre a Sakineh. É questão de direitos humanos", ponderou Dilma, ao lembrar que a iraniana Sakineh Ashtiani, condenada por adultério, seria morta por apedrejamento.
"Mas como eu vou me posicionar?", devolveu Lula. "Além de ser um assunto da autonomia de outro país, envolve religião." Dilma não se deu por vencida. "Pois é, presidente, mas eu estou sendo muito cobrada", insistiu ela.
Lula foi informado depois que Mônica, mulher do candidato do PSDB, José Serra, já organizava abaixo-assinado para pedir a libertação de Sakineh. Quarenta e oito horas após a conversa com Dilma, o presidente usou o palanque do comício em Curitiba, no dia 31 de julho, para oferecer abrigo à iraniana. "Nada justifica o Estado tirar a vida de alguém. Só Deus pode fazer isso", discursou Lula, recorrendo a uma intervenção mais retórica do que prática.
Fogo. Apesar da expectativa inicial, não foram discussões sobre direitos humanos e tamanho do Estado que incendiaram essa campanha. A disputa que pegou fogo na etapa final e derrubou uma ministra foi marcada por acusações envolvendo quebra de sigilo fiscal e tráfico de influência na antessala do presidente, no Palácio do Planalto.
Na batalha jurídica, o PT entrou com 63 representações contra Serra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pedindo direito de resposta em seu horário. Além disso, ingressou na Justiça com 15 ações contra o tucano, seu vice, Índio da Costa (DEM), e o PSDB por injúria, calúnia e difamação, e outras 4 por danos morais.
O maior revés no comitê petista, porém, ocorreu quando se descobriu que Erenice Guerra, sucessora de Dilma na Casa Civil, mantinha uma rede de parentes e amigos em repartições públicas, fazendo negócios no governo e cobrando propina. Uma tensa reunião do comando da campanha de Dilma com Lula, na noite de quarta-feira, dia 15, no Palácio da Alvorada, selou o destino de Erenice menos de 24 horas depois. Furiosa e dizendo-se "traída", Dilma pediu a Lula que demitisse a ministra, até então uma auxiliar de sua inteira confiança.
Nos bastidores do governo havia uma divisão sobre o que fazer diante do escândalo, mas o marqueteiro João Santana – o mesmo que assinou a propaganda na TV de Lula, em 2006 – não deixou margem para dúvida: garantiu que a permanência de Erenice já respingava em Dilma.
Santana falava com conhecimento de causa. Responsável pelos programas de TV, monitorou o humor dos eleitores, diariamente, por meio de pesquisas.
Duzentos grupos formados por pessoas de perfis diferentes no quesito renda e grau de instrução tinham a missão de avaliar os comerciais e programas de Dilma e de seus adversários, além de dar palpites sobre a conjuntura política. Os grupos atuaram em quase todos os Estados e as opiniões ali extraídas serviram para corrigir rumos da campanha. "Esgotamos nossa cota de tiros no pé", resumiu o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, um dos principais coordenadores do comitê de Dilma.
A nova crise na Casa Civil – alvo de denúncias em 2005, quando o então ministro José Dirceu foi abatido no rastro do mensalão – ocorreu exatamente quatro anos depois do escândalo dos "aloprados". Em setembro de 2006, petistas foram acusados de montar farto dossiê contra tucanos. Até hoje Lula diz que só foi obrigado a disputar o segundo turno, para conquistar a reeleição, por causa desse episódio.
A exemplo daquela época, o bombeiro da campanha foi o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, que bateu ponto toda semana em Brasília e participou das reuniões de coordenação da "equipe dilmista". Discreto, Thomaz Bastos conversou reservadamente com Serra, nos últimos meses. Em missão de paz, procurou acalmar o ex-governador, que acusou o PT de quebrar o sigilo fiscal de tucanos, de sua filha e de seu genro. A cúpula do PT processou o candidato.
Palocci também era interlocutor de Serra, mas preferiu a distância depois que ele decidiu alvejá-lo na propaganda eleitoral ao lembrar o escândalo da quebra de sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa.
Serra tentou grudar em Dilma, ainda, a imagem desgastada de José Dirceu. As pesquisas de Santana mostraram que a estratégia começava a surtir efeito. Há duas semanas, Dirceu recebeu do Planalto a ordem para se calar até a eleição.
O cartão vermelho foi dado depois que ele desferiu críticas à imprensa e disse que o eventual governo Dilma será disputado "entre os aliados e dentro do PT". Após o recado do governo, no entanto, Dirceu adotou a lei do silêncio: recolheu-se e cancelou seis entrevistas agendadas.
Dilma concedeu 68 entrevistas coletivas durante a campanha. Antes de responder às perguntas, fazia uma espécie de pronunciamento – chamado por ela de "momento positivo" – sobre um capítulo do programa de governo, nunca divulgado para evitar polêmica. O vice, Michel Temer (PMDB), quase não apareceu ao lado dela. No último comício, em São Paulo, Lula cometeu um ato falho e chegou a dizer que Temer era vice de Marta Suplicy (PT), candidata ao Senado.
Avessa aos "quebra-queixos" com jornalistas, Dilma recorreu, nessa temporada, a dois púlpitos de acrílico – como os utilizados por Lula – que acomodavam 15 microfones, além dos gravadores. Conhecidos como "paliteiros", os dois andavam com ela para cima e para baixo e foram batizados por assessores de "Alfredo" e "Alberto".
‘How do you do’. Nas viagens a bordo do jatinho Cessna Citation Sovereign, a candidata cantava sambas antigos, quando estava de bom humor. Fazia dupla com o presidente do PT, José Eduardo Dutra, apelidado por ela de "How do you do". Adepta dos codinomes, Dilma também só chamava o ex-ministro Geddel Vieira Lima, concorrente do PMDB ao governo da Bahia, de "paixãozinha", embora apoiasse a reeleição do petista Jaques Wagner.
Nos últimos dias, a possibilidade de Lula fazer sua sucessora despertou a curiosidade internacional. Filha do búlgaro Pétar Russév, que aportuguesou o nome para Pedro Rousseff depois de naturalizado brasileiro, Dilma recebeu várias homenagens da comunidade.
Em Porto Alegre, o jornalista búlgaro Momchil Indjov entregou a ela uma carta de sua prima, Tzanka Kamenova, de 68 anos. Em Brasília, um repórter da TV 7, com sede em Sofia, correu em direção à petista, furou o bloqueio da segurança e a presenteou com a bandeira da Bulgária, quando ela deixava o escritório político, na quarta-feira.
O jardim da casa abriga uma imagem de Nossa Senhora Peregrina de Fátima, protegida por vidro transparente. A dez quilômetros dali, o comitê central da campanha só foi visitado por Dilma na inauguração, em julho. Mas o nome do prédio é sugestivo: Edifício Vitória.
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