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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

#POLITICA A pressa do governo em acelerar o Programa Minha Casa Minha Vida produz imóveis defeituosos

Especulação na periferia
A pressa do governo em acelerar o Programa Minha Casa Minha Vida produz imóveis defeituosos, avaliações suspeitas e inflação no setor imobiliário
Murilo Ramos
Anderson Schneider
AMBIGUIDADE
Claricina Ribeiro Assis no quintal de sua casa própria. Ela está feliz com a aquisição, mas reclama das condições do imóvel

A cozinheira Claricina Ribeiro Assis mora em Santo Antônio de Descoberto, Goiás, cidade do entorno do Distrito Federal que fica a 45 quilômetros de Brasília. Ela é uma das beneficiadas pelo Minha Casa Minha Vida, programa do governo federal que pretende facilitar a aquisição de moradia própria pela população mais pobre. Claricina tem sentimentos ambíguos sobre o programa. Ela se diz satisfeita por ter conseguido comprar sua casa. Mas, ao mesmo tempo, fica irritada com as condições do imóvel onde mora há quatro meses. “As paredes estão descascando”, diz Claricina. “Não tem luz nem água no banheiro. Todos os dias, eu tomo banho com água retirada de baldes, que encho na cozinha”. Claricina e os vizinhos reclamam também da falta de asfalto nas ruas do bairro Jardim Ana Beatriz. “Essa casa não vale os R$ 60 mil que dizem”, afirma.

Claricina paga prestações mensais de R$ 381, parte de um financiamento de 25 anos. Sua casa é uma entre as 600 mil habitações contratadas pelo Minha Casa Minha Vida. Uma das principais realizações do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Minha Casa Minha Vida foi criado para reduzir o déficit de moradias para famílias com renda de até dez salários mínimos. Até agora, o governo gastou R$ 22,8 bilhões no Minha Casa e fez de tudo para acelerar o ritmo do programa, um dos trunfos eleitorais da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff.

Pelas regras do Minha Casa, Minha Vida, as famílias que ganham até três salários mínimos pagam prestações de até 10% de sua renda, durante no máximo dez anos. Quem ganha entre três e dez mínimos recebe do governo um subsídio de R$ 17 mil ou R$ 23 mil, dependendo da região do país onde mora, para comprar sua casa. A partir de uma avaliação do imóvel feita por técnicos, a Caixa paga o valor à construtora da obra. Depois, desconta o subsídio de R$ 17 mil ou R$ 23 mil e financia o resto para o comprador. Assim, quem compra uma casa de R$ 50 mil paga apenas R$ 33 mil de financiamento.

Na periferia, o preço dos terrenos disparou e está difícil encontrar interessados em vender

O programa é uma injeção direta de dinheiro público no mercado. Mas, como toda intervenção na economia, ela provoca efeitos nem sempre desejáveis. O dinheiro novo e a pressa do governo em atingir metas fizeram os preços de terrenos em áreas pobres disparar desde o ano passado. Na região de Santo Antônio do Descoberto, onde mora Claricina, um lote de aproximadamente 300 metros quadrados – ideal para construir imóveis para o programa – era vendido por R$ 2 mil há um ano. Hoje, custa cerca de R$ 12 mil – e está difícil encontrar quem quer vender. “A construção de casa popular é um negócio tão bom que até dono de supermercado está entrando e contratando a gente”, afirma o pedreiro José Nílton Lima, que trabalha para construtoras locais e não tem ficado sem serviço.

Há 3.256 empresas habilitadas a construir para o Minha Casa Minha Vida. Outras 943 têm propostas em avaliação pelo banco. A Caixa fecha, em média, 2.100 contratos por dia pelo programa. O corretor de imóveis Lênio Diniz Neto, que trabalha na região de Valparaíso, Goiás, no entorno de Brasília, partiu para o ramo da construção. “Levantei 18 casas na região, e todas foram vendidas”, diz Neto. “A lucratividade na construção da casa pode chegar a 100%. Que aplicação vai me render isso?”

O governo tem tido dificuldade de construir casas em grandes regiões metropolitanas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por causa da escassez de terrenos. O preço de terrenos mais adequados para projetos do Minha Casa Minha Vida subiu tanto que torna a construção inviável em alguns lugares. Na periferia de São Paulo, o preço do metro quadrado dobrou em um ano.

A especulação imobiliária está criando distorções. Como no caso de Claricina, a Caixa pode estar pagando valores que, muitas vezes, não correspondem ao preço do imóvel. Há grandes diferenças de preços entre casas de padrões parecidos e localizadas no mesmo bairro. Em março do ano passado, um imóvel de 57 metros quadrados em Santo Antônio do Descoberto foi avaliado em R$ 45 mil pela construtora Moraes & Andrade Consultoria Ltda., contratada pela Caixa. Um ano depois, uma casa menor e localizada em um lote com metade do tamanho foi avaliada em R$ 75 mil por outra empresa contratada, a Patrimônio Engenharia – uma diferença de mais de 60%. O proprietário da Patrimônio, Jair Bizerra Araújo, afirma que a Caixa não questionou a avaliação da Patrimônio. “Sou ex-funcionário da Caixa e minha empresa trabalha há quase oito anos para o banco”, diz Araújo. “Não tive problema algum nesse tempo. Emprego metodologia científica em nossas avaliações e estou muito tranquilo.” A Caixa afirma que “em princípio não há indícios de superavaliação, porém essa questão será apurada de forma técnica”. A Caixa terceiriza parte das avaliações porque seu quadro de engenheiros é insuficiente para atender à demanda crescente de pedidos. Mas o banco tem dificuldades para fiscalizar devidamente o trabalho dos terceirizados.

Anderson Schneider
META DISTANTE
Um conjunto habitacional no Rio de Janeiro ocupado por moradores beneficiados pelo Minha Casa Minha Vida. O governo tem pressa, mas está longe de cumprir a meta de construção de moradias para famílias com renda de até três salários mínimos

O mercado imobiliário é uma área dinâmica, mas delicada, da economia de qualquer país. A crise financeira que abateu o mundo a partir de 2008 e ainda provoca efeitos na Europa e nos Estados Unidos nasceu de distorções no mercado imobiliário. Programas de incentivo para compra de imóveis nos Estados Unidos levaram à abertura de linhas de crédito nos bancos. Com dinheiro fácil em caixa, os bancos passaram a emprestar dinheiro sem critério. Ao mesmo tempo, criaram produtos financeiros sofisticados, derivativos chamados de “subprime”, baseados nesses financiamentos. s Quando a inadimplência atingiu níveis insuportáveis, o sistema implodiu. Milhares de americanos faliram, o preço dos imóveis despencou – e não se recuperou até hoje – e grandes bancos quebraram por conta de bilhões de dólares investidos nos produtos financeiros lastreados nos títulos podres.

As diferenças para o que ocorre no Brasil são enormes, mas o exemplo serve de alerta. O aumento no valor dos imóveis provocado pelo financiamento do Minha Casa Minha Vida pode levar a um crescimento na inadimplência se não houver fiscalização rígida. Como muitas pessoas beneficiadas pelo programa são profissionais autônomos e não têm renda garantida, dependem do bom desempenho da economia para manter o poder de compra. Caso essas pessoas deixem de pagar e a Caixa precise retomar o imóvel, dificilmente recuperará o dinheiro. A Caixa afirma que a inadimplência no Minha Casa Minha Vida é de 1,37%, uma das menores do Sistema Financeiro Habitacional.

A pressa do governo em entregar casas também está sendo aproveitada pelas construtoras e prejudicando os compradores. Na ânsia de receber logo o dinheiro da Caixa, construtoras têm entregado casas malfeitas. A poucas quadras do imóvel da cozinheira Claricina Ribeiro Assis, a aposentada Maria Castro da Silva, de 80 anos, só consegue entrar em casa, construída num terreno inclinado, pelos fundos. A pressa da construtora em finalizar a casa foi tão grande que não foi feita escada ou rampa pela frente. Até agora, as 600 mil moradias contratadas pelo governo representam 60% da meta traçada para o Minha Casa Minha Vida. De acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o governo deverá contratar 850 mil unidades até dezembro.

Recentemente, o governo anunciou o lançamento do Minha Casa Minha Vida 2. A previsão é investir cerca de R$ 70 bilhões para construir mais 1 milhão de imóveis até 2014. Uma das promessas da candidata petista ao Planalto, Dilma Rousseff, é incluir móveis e eletrodomésticos no Minha Casa Minha Vida 2 e dotar as casas de aquecedores solares para baratear a conta de luz. Mas, em alguns Estados, a primeira versão do programa ainda engatinha. As contratações de imóveis para pessoas que ganham até três salários mínimos, onde está a maior parte da população sem moradia, não chegam a 10% da meta.

A Caixa desencadeou varredura em projetos depois de distorções verificadas por ÉPOCA

Após as perguntas feitas por ÉPOCA sobre as distorções no Minha Casa Minha Vida, a Caixa tomou providências em relação ao programa. A chefia do banco desencadeou uma varredura em projetos pelo país. Foram feitos questionamentos à área responsável pelas avaliações. Quando foi procurada por ÉPOCA sobre o caso das casas em Santo Antônio do Descoberto, a Caixa disse que não havia financiado a construção dos imóveis. O financiamento teria sido feito pelas construtoras e que as operações representariam uma “parcela mínima de operações no contexto do volume total de financiamentos no âmbito do Minha Casa Minha Vida”. Apesar de minimizar o problema, a Caixa decidiu descredenciar construtoras responsáveis pelas obras em Santo Antônio do Descoberto, Goiás. Técnicos da Caixa também visitaram a casa de Claricina Ribeiro Assis e resolveram o problema da falta de água no banheiro. “Agora estou esperando arrumar as paredes”, afirma Claricina. “Sonho também com o dia em que teremos asfalto aqui.”


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