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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

#dilma #politica O exílio da cunhada do irmão de Henfil

Por que o PT mantém fechado o Caso Celso Daniel e a oposição não reclama das ameaças aos irmãos da vítima?

Em seu primeiro depoimento à CPI dos Bingos sobre o Caso Santo André, o chefe de gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, tentou desqualificar as dúvidas sobre a investigação do assassínio de Celso Daniel aventadas pelo irmão mais velho do ex-prefeito, o oftalmologista João Francisco, insinuando ligações espúrias dele com empresários de ônibus da cidade. E manifestou a esperança de que o depoimento do outro irmão, Bruno José, teria mais valor, pois este fora militante do PT e, ao contrário do outro, tinha uma relação mais fraterna com a vítima. Só que este confirmou tudo o que o primogênito dissera, mostrando que a família da vítima não estava dividida na convicção de que a tese do crime comum, estranhamente comungada pela polícia tucana de Alckmin e pelo PT de Lula, é um terrível equívoco e certos estão os promotores, que apostam na hipótese de execução de mando.

Agora, com João Francisco dando plantões em rodízio por hospitais de várias cidades brasileiras e cuidando da deportação espontânea do próprio filho, ameaçado de morte, e com Bruno, a mulher e os três filhos em exílio voluntário, resta saber o que o poderosíssimo assessor direto do excelentíssimo presidente da República teria a dizer. Passa pela cabeça de qualquer brasileiro de posse das próprias faculdades mentais acreditar na possibilidade de esses parentes da vítima terem resolvido enfrentar tantos transtornos em suas vidas pessoais, a ponto de terem de pedir licença nos empregos e se esconderem pelo País e pelo mundo, apenas para prejudicar Lula e seu partido? Que tipo de ódio doentio levaria um médico e um professor universitário a passarem para a clandestinidade apenas para causar dificuldades para um grupo político do qual seu irmão não apenas fazia parte, mas era um dos dirigentes mais importantes? Ou ainda que grupos políticos ou empresariais poderiam estar por trás de escusos interesses ocultos capazes de motivar um olftalmologista apartidário, seu irmão e sua cunhada, estes petistas de carteirinha, a fazerem uma cruzada contra o grupo político no exercício do poder?

É difícil crer nessa hípótese. E mais ainda fica difícil acreditar na possibilidade de isso fazer parte de algo definido como uma “conspiração de direita”, quando se sabe que Marilena Nakano, a mulher de Bruno Daniel, foi secretária de Educação do cunhado na Prefeitura de Santo André e também é cunhada de um mito da esquerda brasileira, o sociólogo Betinho, o irmão do chargista Henfil tornado símbolo da luta pela anistia no verdadeiro hino em que se tornou o sucesso composto por João Bosco e Aldir Blanc para Elis Regina, O bêbado e o equilibrista .

Se não há uma conjura elitista contra o petismo no poder, o que, então, justificaria o fato de os irmãos Daniel e seus familiares se esconderem, enquanto os acusados de serem mandantes do crime pelos promotores gozam de plena liberdade? Liberdade, a julgar pela denúncia feita pelos parentes de Celso Daniel, até para tirar do caminho aqueles que ousam desafiar a pressa e o desleixo com que a polícia paulista tratou o caso, pelo menos até agora.

Há muitos pontos obscuros no crime e na investigação de sua autoria. O fato de Sérgio Gomes da Silva ter sido beneficiado por habeas corpus pedido pelo presidente da República e autocraticamente concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, deixa claro quão árdua será a tarefa de quem se dispuser a esclarecê-los. Continua duro de entender seja por que o PT luta tanto para encerrar o assunto, sempre que se tenta reabri-lo, seja por que a oposição não denunciou a ignomínia que é esse exílio voluntário do casal Daniel e seus filhos de um Estado que se julga ser de direito.
Quem sabe, não seria o caso de João Bosco e Aldir Blanc comemorarem a recente reconciliação ressuscitando a velha parceria para protestar contra mais esse ignominioso abuso de poder.




Em março de 2003, logo após assumir a Presidência da República, Lula recebeu em sua casa, em São Bernardo do Campo (SP), Mara Gabrilli. Durante 20 minutos, o presidente ouviu um relato que misturava chantagem e extorsão contra os donos da empresa de ônibus Expresso Guarará, pertencente à família de Mara Gabrilli. Para prestar serviços em Santo André (SP), cidade vizinha de São Bernardo do Campo, os proprietários da Expresso Guarará eram obrigados a pagar propina à Prefeitura do PT. Palavras de Mara Gabrilli:

- Contei como era o esquema, quem cobrava a propina, e como a Prefeitura tirou a licença para a empresa da minha família operar algumas linhas, em represália ao fato de meu pai não ter dado propina a partir de certo momento.

Mara Gabrilli não deixou dúvidas. Indicou para Lula os responsáveis pelo esquema de corrupção: o secretário de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira (PT), o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-segurança do prefeito Celso Daniel (PT), Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra".

- Eu falei ao presidente sobre o pagamento da caixinha que meu pai era obrigado a fazer a cada dia 30. E falei da retaliação imposta à empresa desde que eu e minha irmã, Rosângela, denunciamos o fato ao Ministério Público.

Ao denunciar a corrupção em Santo André à CPI dos Bingos, em 2005, Rosângela Gabrilli afirmou que os donos de empresas de ônibus na cidade eram pressionados a contribuir para o caixa 2 do PT desde 1997, durante a segunda gestão do prefeito Celso Daniel. Cabia ao Expresso Guarará o repasse de R$ 40 mil mensais, em dinheiro vivo. Do depoimento de Rosângela:

- Os achaques eram feitos com intimidação e ameaça. Diziam que o Klinger tinha sempre um revólver preso na canela. Isso constrangia muito. E ele lembrava a cada momento: "Com o poder não se brinca, o poder tudo pode".

Antes de sair do apartamento de Lula, Mara Gabrilli ouviu o presidente dizer que tomaria providências e lhe daria uma resposta. Não foi o que aconteceu:

- Ocorreu justamente o contrário. Klinger soube, reclamou, e dias depois uma comissão de sindicância da Prefeitura se instalou na nossa empresa.

Celso Daniel foi sequestrado em 18 de janeiro de 2002, no início do ano que terminaria com a eleição do presidente da República. Celso Daniel era coordenador de campanha de Lula. O corpo do então prefeito foi achado dois dias depois. Os assassinos o torturaram antes de matá-lo, provavelmente para obter os números das senhas das contas secretas em paraísos fiscais no exterior onde, possivelmente, ele guardava dinheiro para a campanha do PT.

O médico João Francisco Daniel, irmão do prefeito morto, contou sobre a conversa que teve com Gilberto Carvalho (PT-SP), secretário de Governo de Celso Daniel, após a missa de sétimo dia, em 26 de janeiro de 2002. Importante ressaltar que, um ano depois, ao assumir o cargo de mais alto mandatário da nação, Lula nomeou Carvalho para o posto estratégico de chefe de gabinete do presidente. Lula levou-o de Santo André para Brasília.

Depois da missa de sétimo dia, Gilberto Carvalho esteve na casa de João Francisco Daniel e, emocionado, fez uma confissão que pediu para ser mantida em sigilo. Admitiu que, durante a administração Celso Daniel, entregou dinheiro repassado por empresas que mantinham contratos com a Prefeitura, diretamente para o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu (SP). Declaração do médico João Francisco Daniel:

- Achei estranho Carvalho me contar isso, mas ele contou. Contou três vezes. Falou que, com muito medo, pegava seu Corsa preto e ia até São Paulo entregar o dinheiro para o então deputado José Dirceu.

Cerca de dez dias depois, Gilberto Carvalho voltou ao assunto com João Francisco Daniel, quando se queixou de Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra", o ex-segurança de Celso Daniel acusado de ser o mandante da morte:

- O Gilberto disse que o Sérgio era muito violento, que constrangia os empresários colocando revólver na mesa quando ia conversar com eles.

Na terceira conversa, Gilberto Carvalho admitiu ter levado, de uma só vez, R$ 1,2 milhão a José Dirceu. Para João Francisco Daniel, Celso Daniel autorizara o esquema de corrupção, mas com a finalidade de dar dinheiro ao PT. E resolvera rompê-lo ao descobrir que parte substancial da propina acabava nas mãos de Sombra, Klinger Luiz de Oliveira e Ronan Maria Pinto.

- Quando ele ficou sabendo que esse grupo estava enriquecendo de maneira estratosférica, ele realmente tentou brecar aquele tipo de coisa.

Uma das funções de Celso Daniel, como coordenador da campanha de Lula, era arrecadar fundos para as despesas com a eleição. O "grupo" de Santo André, porém, teria decidido pôr as mãos no dinheiro. Por isso o prefeito teria sido torturado. Queriam informações sobre o paradeiro do caixa 2. Em seguida o eliminaram. João Francisco Daniel expôs o irmão ao Ministério Público:

- Não tive saída. Infelizmente, ele montou um caixa 2 em Santo André, para as campanhas do PT.

De fato, duas testemunhas revelaram ao Ministério Público as evidências de que Celso Daniel participava do esquema. Uma empregada doméstica que trabalhou para o então prefeito viu, oito meses antes do assassinato, três sacolas plásticas de supermercado, num canto da lavanderia do apartamento. As sacolas estavam abarrotadas de maços de dinheiro, preso por elásticos, em notas de R$ 10, R$ 50 e R$ 100, tudo sob um lençol branco.

O outro depoimento é de um garçom do restaurante Baby Beef, de Santo André, frequentado por Celso Daniel, Sombra, Klinger Luiz de Oliveira e Ronan Maria Pinto. Os quatro tinham o costume de sentar em volta da mesma mesa. O garçom viu Ronan, empresário do setor de transportes e de coleta de lixo, tirar da bolsa um maço de dinheiro e entregá-lo a Klinger. Vereador e secretário de Celso Daniel, Klinger Luiz de Oliveira tratou de esconder a soma sob o guardanapo, para que ninguém visse o que era. Em outra ocasião, o mesmo garçom reparou uma mulher chegar ao restaurante para entregar uma sacola cheia de dinheiro a Ronan Maria Pinto.

Declaração do promotor Roberto Wider Filho:

- Esses depoimentos mostram que Celso Daniel tinha envolvimento com o esquema de corrupção. A presença de notas de R$ 10 é um indicativo de que os recursos podem ter origem no esquema de caixinha de ônibus.

Para o Ministério Público, o esquema começou a implodir quando Celso Daniel descobriu que a propina não vinha irrigando os cofres do PT, como o prefeito desejava, mas morria nas mãos de Sombra, Klinger e Ronan.

Do promotor Roberto Wider Filho:

- Ele foi eliminado porque se opôs ao esquema ao verificar que o dinheiro estava sendo direcionado para os integrantes da quadrilha, e não mais para as campanhas eleitorais de seu partido.

Outro irmão do prefeito morto, Bruno Daniel, depôs à CPI dos Bingos:

- Há evidências de que existia na Prefeitura de Santo André um esquema de arrecadação para o PT. Suponho que Celso enveredou naquilo como um mal necessário para viabilizar as atividades do partido, e lamentavelmente deu no que deu. O que possivelmente aconteceu é que parcelas desses recursos começaram a ser destinadas para outras finalidades, razão pela qual Celso resolveu alterar a situação e esta pode ter sido a motivação do crime.

Bruno Daniel criticou o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), designado pelo PT, com aval de Lula, para acompanhar o caso. Luiz Eduardo Greenhalgh defendia a tese de que o assassinato havia sido crime comum, sem vinculação com a política. O irmão Bruno Daniel não concordava:

- O povo de nossa cidade não aceita as explicações dadas até o momento, porque são superficiais e contraditórias para um crime que desde o início se revelou complexo. Falamos com outros membros do PT esperando trazer elementos para elucidar o caso. E o que posso afirmar é que poucas pessoas dentro do partido contribuíram para isso.

Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, ocupou papel central no caso Celso Daniel. Era pessoa de inteira confiança do prefeito. Exerceu a função de motorista e segurança particular de Celso Daniel. Ocupou cargo em comissão no gabinete do prefeito. Quando Celso Daniel foi deputado, nomeou Sombra como seu assessor parlamentar. Sombra era muito próximo.

O ex-motorista enriqueceu. Na noite do sequestro, Celso Daniel jantara com Sombra no sofisticado restaurante Rubayat, na zona sul de São Paulo. Os dois foram para lá no luxuoso automóvel Pajero de propriedade de Sombra. O carro foi abordado de forma suspeita na volta a Santo André, tarde da noite.

Apesar da experiência como segurança particular e de estar no comando de um veículo blindado, Sombra alegou problemas mecânicos que o levaram a diminuir a velocidade e a parar. Não ficou claro tampouco por que a trava da porta ao lado de Celso Daniel abriu, expondo o prefeito aos criminosos.

Os promotores suspeitam de que Sombra conhecia um dos acusados de atacar o prefeito. Falou-se até de um suposto pagamento de US$ 40 mil. Teria sido feito ali mesmo, na cena do crime, aos homens supostamente contratados para fazer o sequestro.

Um morador testemunha da ação dos criminosos, que agiram na região dos "três tombos", na zona sul de São Paulo, relatou que arrancaram Celso Daniel "como um animal" da Pajero. Enquanto isso, Sombra teria mantido atitude passiva e demonstrado "aparente cumplicidade".

Uma mulher passava pelo local na hora do sequestro. Celso Daniel ainda estava dentro do veículo, com a cabeça encostada no vidro. Ela viu Sombra fora da Pajero, com ar de tranquilidade, falando ao telefone.

Se já não houvesse a intenção de matar o prefeito, é possível que Celso Daniel tenha percebido, durante a ação dos criminosos, o envolvimento do "amigo" com os sequestradores. A solução seria eliminá-lo.

Antes de ser morto o prefeito foi barbaramente torturado. Num crime comum de sequestro, a vítima geralmente é poupada. A sua boa integridade física é condição para o pagamento do resgate. Celso Daniel foi torturado para que fornecesse informações aos criminosos. Declaração do perito criminal Carlos Delmonte Printes, que examinou o corpo de Celso Daniel:

- É absolutamente excepcional a ocorrência de morte em casos de sequestro-relâmpago. Com relação ao sequestro convencional, nunca examinei um caso em que houvesse ritual de tortura, crueldade e desproporcionalidade que verifiquei no exame do corpo do prefeito.

Como evidências da tortura, o perito criminal apontou a expressão de terror na face, queimaduras nas costas e lesões no corpo, provocadas por estilhaços de balas disparadas perto da vítima, com a finalidade de amedrontá-la. Para matá-lo, alvejaram-no oito vezes, diretamente no rosto, tórax, pernas e mãos.

O médico legista Paulo Vasques também viu o corpo de Celso Daniel. Confirmou a prática de tortura antes do assassinato. Referiu-se a marcas de coronhadas na cabeça e à rigidez muscular decorrente da tensão nervosa. Informou que o prefeito vestia outra calça quando o corpo foi encontrado, pois o traje não apresentava as marcas de tiro existentes no corpo dele.

Sérgio Sombra chegou a ficar oito meses na prisão, acusado de ser o mandante do crime. O STF (Supremo Tribunal Federal), por decisão do ministro Nelson Jobim, determinou a sua libertação. O mesmo Nelson Jobim impediu investigações sobre o envolvimento de José Dirceu com a corrupção em Santo André. Em seu segundo mandato como presidente da República, Lula nomeou Nelson Jobim (PMDB-RS) ministro da Defesa.

Na hora de dar explicações à CPI dos Bingos, Sérgio Sombra irritou os senadores. Insistia não saber por que a porta do carro blindado se abriu:

- A porta abriu de repente, do lado do Celso, não sei como.

Ao ser questionado sobre quatro depósitos bancários descobertos em sua conta, num total de R$ 40 mil, todos feitos por Luiz Alberto Gabrilli, proprietário da Expresso Guarará, Sombra saiu-se assim:

- Acho que ele se enganou, pode ter feito pagamento cruzado, por engano.

De acordo com o Ministério Público, empresários que mantinham contratos com a administração de Santo André eram forçados a entregar dinheiro vivo ao esquema, todos os meses. Durante uma época, por algum desarranjo na organização criminosa, a propina foi depositada diretamente na conta bancária de Sérgio Sombra. Ficou o rastro. Ainda na CPI, Sombra tentou explicar uma transferência bancária de Luiz Alberto Gabrilli, feita em 1997:

- Tinha vários depósitos para receber por serviços de segurança que prestei. Esse dinheiro, só fiquei sabendo agora que havia sido depositado por ele na minha conta. Não sei como foi parar na minha conta.

A Polícia Civil de São Paulo não responsabilizou nenhum dos atores políticos suspeitos de envolvimento no assassinato de Celso Daniel. O caso intrigou também pelas mortes violentas de seis pessoas que testemunharam ou estiveram, por algum momento, nas cenas do crime.

Entre os mortos, o garçom Antonio Palácio de Oliveira, que serviu Celso Daniel e Sérgio Sombra no restaurante Rubayat, pouco antes do sequestro. Ele chegou a receber um depósito bancário misterioso, no valor de R$ 60 mil, antes de morrer. Mas dois homens o perseguiram em sua motocicleta. Durante a fuga perdeu o controle, bateu num poste e perdeu a vida.

O homem que presenciou a morte do garçom e contou à polícia o que viu, também foi morto. Paulo Henrique Brito levou um tiro nas costas.

Investigações chegaram a apontar ligações de amizade entre Sombra e Dionísio de Aquino Severo, que teria namorado a ex-mulher de Sombra. Dionísio Severo, acusado de envolvimento no sequestro, foi resgatado de helicóptero de um presídio, de forma espetacular, dois dias antes do sequestro. Depois do crime, recapturado, o mataram numa cadeia em Guarulhos (SP).

Intrigante também a morte do investigador de polícia Otávio Mercier, que conversou com Dionísio Severo um dia antes da fuga do presídio. Foi alvejado por homens que tentavam entrar em sua casa.

Manoel Sérgio Estevam, o "Sérgio Orelha", abrigou Dionísio Severo em seu apartamento, logo após a morte do prefeito. Foi assassinado com vários tiros.

Por fim, morreu o homem que chamou a polícia ao achar o corpo de Celso Daniel, jogado em uma estrada de terra em Juquitiba (SP). Assassinaram Iran Moraes Redua com dois tiros.

Quatro anos depois da morte de Celso Daniel, a família do economista Bruno Daniel, irmão do prefeito assassinado, foi obrigada a deixar o País. Partiu às escondidas para Paris, onde o governo da França a recebeu como perseguida política no Brasil. Bruno Daniel, a mulher e os três filhos do casal, moradores de Santo André, não suportaram as ameaças de morte que se seguiram ao depoimento de Bruno, no qual ele acusou José Dirceu e Gilberto Carvalho de envolvimento no esquema montado por Celso Daniel.

Em abril de 2006, o Ministério Público abriu inquérito para investigar o ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, acusado de se beneficiar do dinheiro desviado em Santo André. Gilberto Carvalho também foi objeto de investigação. Apesar disso, Lula o manteve na posição estratégica de chefe de gabinete do presidente da República.

José Dirceu e Gilberto Carvalho foram citados por crimes de formação de quadrilha, receptação e lavagem de dinheiro. O Ministério Público também anunciou investigação sobre a origem de R$ 500 mil supostamente repassados pelo PT ao advogado Aristides Junqueira, que foi contratado para defender o PT no caso Celso Daniel.

O Ministério Público acabou denunciando Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, Klinger Luiz de Oliveira, Ronan Maria Pinto e Maurício Mindrisz, que ocupou o cargo de superintendente da Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental) em Santo André. Todos foram acusados por crimes de formação de quadrilha, fraude e dispensa ilegal de licitação.

Conforme a denúncia, os quatro, em parceria, atuavam com o prefeito Celso Daniel para desviar recursos públicos. Formavam "quadrilha organizada estável", com o objetivo de "cumprir como meta estabelecida um mega-esquema de corrupção".

Para os promotores, Sombra, mesmo sem ocupar cargo na Prefeitura, exercia grande influência na administração municipal. O esquema favorecia Ronan Maria Pinto, dono de empresas de transporte e de coleta de lixo, que mantinham contratos com o governo municipal.

Uma dessas empresas, a Rotedali, foi contratada 12 vezes para executar serviços de limpeza, varrição e manutenção de aterro sanitário, em transações que envolveram cerca de R$ 50 milhões. Parte do dinheiro teria alimentado o caixa 2 do PT. Dos 12 contratos, dez foram celebrados sem licitação. A Justiça e o Tribunal de Contas do Estado contestaram cinco deles. Sombra foi sócio de Ronan em negócios com empresas de ônibus em Fortaleza e Cuiabá.

Trecho da denúncia dos promotores Roberto Wider Filho, Amaro José Thomé Filho e Adriana Ribeiro Soares de Morais:

"Sérgio, aproveitando-se de seu prestígio junto à administração, idealizou com Daniel a formação da sociedade delinquente e era um dos destinatários dos recursos ilícitos. Foi tesoureiro da campanha eleitoral de 1996. Arrecadou diretamente parte do dinheiro, que foi depositado na sua conta corrente."

No início do segundo mandato de Lula, em 2007, o Ministério Público pediu o bloqueio de bens do PT e de Gilberto Carvalho, no montante de R$ 5,3 milhões. O valor correspondia à estimativa de dinheiro desviado pelo esquema de corrupção na área de transporte público em Santo André. A ação civil pública também denunciou Sérgio Gomes da Silva, Klinger Luiz de Oliveira, Ronan Maria Pinto e vários empresários. Da denúncia:

"Formaram uma quadrilha determinada a arrecadar recursos através de achaques a empresários, bem como através de desvio de dinheiro dos cofres públicos municipais, conforme outras denúncias já ajuizadas, relativas a contratos de obras públicas e de coleta e destinação final de lixo, ambas recebidas judicialmente". Outro trecho da denúncia:

"Todos os recursos auferidos pela quadrilha, na concepção do finado prefeito Celso Daniel, deveriam financiar campanhas eleitorais do PT, tanto em âmbito municipal e regional quanto em âmbito nacional. O dinheiro amealhado era, em parte, separado e entregue a Gilberto Carvalho, que o transportava, em seu veículo particular, ao escritório de José Dirceu, que recebia os recursos ilícitos em espécie, na qualidade de presidente do PT, para o financiamento de campanhas do interesse daquela agremiação."

Em 9 de fevereiro de 2006, prestou depoimento ao Ministério Público o ex-secretário de Habitação de Mauá (SP), Altivo Ovando Júnior. Mauá, na Grande São Paulo, é vizinha de Santo André. A cidade foi governada pelo prefeito Oswaldo Dias (PT) de 1997 a 2000, período em que Altivo Ovando Júnior exerceu o cargo de secretário. Ele narrou fatos ocorridos durante a campanha de Lula a presidente da República, em 1998. Do depoimento:

"O declarante se recorda de que, no pleito de 1998, Lula compareceu no gabinete do prefeito de Mauá, oportunidade em que, utilizando termos chulos, cobrou de Oswaldo Dias maior arrecadação de propina em favor do PT."

A frase de Altino Ovando Júnior sobre o pedido de Lula:

"Ele dizia: 'Pô, Oswaldão, tem que arrecadar mais. Faz que nem o Celso Daniel em Santo André. Você quer que a gente ganhe a eleição como?"







© 2010 Por Ivo Patarra
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.



O caso Celso Daniel e o esquema de propinas do PT

Irmão do prefeito assassinado envolve assessor de Lula no caso de corrupção


Três anos e meio depois do bárbaro assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, surgem novos indícios do crime que permanece obscuro e cuja investigação segue emperrada pelas autoridades. A reabertura do caso Celso Daniel veio na esteira de denúncias e revelações que devassam as relações espúrias entre PT, governo e empresários, nos últimos anos.

Se antes pesavam contra o PT “apenas” denúncias de desvio de recursos públicos e compra de deputados, agora, com o depoimento do irmão de Celso Daniel à CPI dos Bingos, o partido parece cada vez mais envolvido no acobertamento do assassinato do prefeito petista. O caso expõe também a cobrança sistemática de propina das prefeituras petistas para financiar o partido.

Para debaixo do tapete
Pouco antes de sua morte, Celso Daniel, então prefeito de Santo André, era o homem mais cotado para coordenar a campanha de Lula à presidência. Seu estranho assassinato, atraiu suspeitas de se tratar de um crime político. No entanto, pouco tempo depois, tanto a polícia como o próprio PT afirmaram que se tratava apenas de um crime comum. Na época, o deputado Eduardo Greenhalgh foi designado pela cúpula petista para acompanhar o caso e reafirmou a tese.

No entanto, o irmão do prefeito, João Francisco Daniel, revelou que Celso Daniel coordenava um esquema de propina que empresas prestadoras de serviços à prefeitura de Santo André pagavam ao PT. O assassinato teria sido provocado por um desentendimento entre empresários e o prefeito, tendo como mandante Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, que acompanhava Celso Daniel quando ocorreu o crime. Segundo Francisco, Celso Daniel teria tentado acabar com o “caixa três” (dinheiro desviado das propinas ao PT) que Sombra estaria coordenando. Depois da execução, o caso foi decretado como sendo crime comum e jogado para debaixo do tapete.

Crise desenterra caso
Três anos depois, o PT encontra-se afundando em sua maior crise política. A crise atingiu a cúpula petista e escancarou a corrupção sistemática praticada pelo partido. Nesses três meses de crise, os escândalos estão sendo revisitados e as entranhas pútridas do PT postas para fora. Agora, o partido se vê cara a cara com o fantasma de Celso Daniel.

Na interminável torrente de revelações, mais um capítulo dessa história ocorreu na última semana. João Francisco reafirmou em depoimento à CPI, no dia 10 de setembro, denúncias envolvendo o atual chefe do gabinete de Lula, Gilberto Carvalho. O irmão do prefeito assassinado afirmou ter recebido a visita de Carvalho cinco dias após o crime. Na ocasião, o hoje assessor particular do presidente teria revelado o esquema de propina recolhida por Celso Daniel das empresas de Santo André. Os recursos teriam sido repassados a José Dirceu para o pagamento da campanha eleitoral de Lula e Marta Suplicy.

Tortura
Para piorar a situação do PT e enterrar de vez a tese de crime comum, na noite do dia 28 de agosto, o programa Fantástico da rede Globo divulgou uma denúncia do legista Carlos Delmant Printes de que Celso Daniel foi cruelmente torturado antes de ser morto. Segundo o legista, os seqüestradores do prefeito praticaram o chamado “esculacho” antes de matá-lo, ou seja, atiraram em Celso Daniel caído ao chão, próximo ao seu corpo para amedrontá-lo.

Além disso, o médico apontou vários hematomas no corpo do prefeito. Printes, que descartou completamente a tese de crime comum, tão logo expôs sua análise do crime, foi imediatamente censurado pelo Superintendente da Polícia Científica e pelo diretor do Instituto Médico Legal.

O “Sombra” e o PT
A denúncia de um preso acusado de ter sido um dos assassinos do prefeito revela que o empresário Sérgio Gomes, o “Sombra”, teria pago R$ 1 milhão pela morte de Celso Daniel. A denúncia confirmaria o envolvimento de “Sombra” no assassinato, suspeita desde o início do caso. O prefeito foi capturado quando estava no carro com Sombra. Em depoimento à polícia, o empresário afirmou que as travas das portas do automóvel haviam se quebrado, assim como o câmbio. A perícia, porém, desmentiu Sérgio Gomes.

O “Sombra”, que ganhou novamente os holofotes da mídia, tem origem semelhante à de Rogério Buratti, advogado de Ribeirão Preto (SP) envolvido no caso de cobranças de propina na gestão de Palocci. A famosa história de Buratti dá conta que o então quadro petista chegou à região de Ribeirão a bordo de um modesto fusca. Anos depois, após ter ocupado o cargo de Secretário de Governo do hoje ministro da Fazenda, Buratti assumia a diretoria da empresa de lixo Leão e Leão. Já Sérgio Gomes, também militante do PT, fez fortuna por meio de suas relações com as gestões petistas. À época do assassinato, o “Sombra” acumulava participações em nada menos que quatro empresas de ônibus.

“Sombra” e Buratti constituem, desta forma, mais do que a interminável fila da fauna corrupta que desfila nos noticiários atualmente. São exemplos da burocracia petista que alçaram a condição de burgueses graças às relações espúrias com os governos comandados pelo PT. O caso de Santo André é assim reflexo de um esquema generalizado de corrupção, revelado nas prefeituras petistas e no próprio governo federal.

Crise se aprofunda
A essas alturas, a crise aprofundou-se de tal forma que criou dinâmica própria. O desespero e a tentativa de jogar uma pá de cal no caso Celso Daniel mostram a dimensão que o escândalo pode tomar.

Caso do assassinato de modelo em Minas é reaberto

O promotor Francisco Santiago, de Minas Gerais, decidiu reabrir um caso que vai tirar o sono dos políticos mineiros. Ele vai dar seqüência às investigações sobre o assassinato da modelo Cristiana Aparecida Ferreira, ocorrido em agosto de 2000. A modelo de 24 anos mantinha estreitas relações com a cúpula do governo Itamar Franco e com políticos em geral. Vários indícios dão conta que Cristiana foi usada em esquemas de corrupção. Seus pais afirmaram que a modelo transportava freqüentemente malas suspeitas de São Paulo a Brasília. Ela ainda freqüentava os mesmos hotéis, nos mesmos dias inclusive, que Marcos Valério e seus funcionários.

Com as denúncias do mensalão e o envolvimento do senador Eduardo Azeredo (PSDB), que teria recebido dinheiro de Marcos Valério para disputar o governo de Minas em 1998, a suspeita de utilização de garotas de programa no esquema de Valério, agenciadas pela cafetina Janne Córner, o caso ganha novo significado. Suspeita-se agora que o esquema do mensalão tenha existido no governo FHC e que a modelo tenha sido assassinada por saber demais.


[ Publicado em 15/9/2005 19:51:00 ]


Larry Rohter sabe demais sobre a morte de Celso Daniel e corre risco de vida

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a polícia federal sumiu com as fitas dos telefonemas grampeados de celso daniel
a polícia federal sumiu com as fitas dos telefonemas grampeados de celso daniel

Surge uma nova versão para explicar a forma virulenta e desproporcional com que o governo Lula reagiu contra o jornalista Larry Rohter. Em fevereiro deste ano o correspondente norte-americano do NYT foi a fundo e escreveu reportagem sobre um dos temas mais nebulosos e incômodos para o PT: o assassinato do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel.

Em matéria intitulada “Acusações de corrupção vêm à tona com morte de prefeito brasileiro”, Rohter afirmou que "quando Celso Daniel foi seqüestrado e morto a tiros, líderes do Partido dos Trabalhadores se apressaram em culpar esquadrões da morte de direita”, organizando uma campanha internacional de protestos. A polícia acabou fechando o caso com a alegação de que o prefeito “tinha sido vítima de um crime comum".

“Dois anos mais tarde”, revela a reportagem do correspondente, “pouca coisa sobre a morte de Daniel parece comum”, e tanto parentes como promotores públicos, “que reabriram o processo agora, dizem que ele foi morto numa contenda por causa de uma ‘caixinha para fins eleitorais’ de muitos milhões de dólares que, segundo seus familiares, destinava-se a beneficiar o fundo de reserva para a campanha do partido que atualmente governa o Brasil”.

A matéria cita um dos irmãos do prefeito, João Francisco Daniel, que revela o envolvimento no esquema de propina de duas figuras “de relevo do partido”, que estão agora “entre os homens mais poderosos do Brasil” – José Dirceu e Gilberto Carvalho. “Dirceu era então presidente do PT e é agora ministro-chefe da Casa Civil; Gilberto Carvalho era chefe da Casa Civil do prefeito e é agora secretário pessoal do presidente Lula”, aponta.

Segundo o texto, “promotores públicos falam abertamente” sobre a existência “do fundo secreto, formado com extorsões tiradas de contratos de serviços municipais”. E cita também entrevista de José Reinaldo Guimarães Carneiro, promotor público estadual: “O prefeito foi assassinado porque estava tentando desmantelar um esquema de corrupção embutido na sua própria prefeitura”.

Sufocando investigações

A deputada federal Yeda Crusius (PSDB-RS), surpreendida esta semana com a expulsão de Rohter, segundo ela por uma questão "menor", recuperou o fato de o jornalista ter escrito a reportagem sobre o assunto que tanto incomoda o governo petista. Ela lembra que, na matéria, o americano informava que tanto a imprensa brasileira como os partidos de oposição “estão tentando abrir um inquérito” e “têm insinuado que o governo do PT está trabalhando nos bastidores para sufocar a investigação”.

Yeda relembra também que o jornalista Elio Gaspari, em matéria intitulada "Explodiu o silêncio em Alcântara" (25.01.04), elogia Larry Rohter pela cobertura realizada logo após a morte de 21 funcionários do programa espacial brasileiro. Segundo Gaspari, "os 21 mortos de Alcântara foram discretamente passados ao limbo da burocracia. Larry Rohter trabalhou quatro meses no assunto e entrevistou familiares das vítimas. Seu retrato da base de lançamento é tétrico. Viúvas dos técnicos mortos contam que seus maridos se queixam de ter tomado choques elétricos quando tocaram o foguete. Além disso, Rohter constatou que os técnicos usavam telefones celulares dentro da unidade de lançamento. Daí para uma faísca a distância era pequena".


Nesse território, ninguém se entende:
o juiz diz que as fitas foram apreendidas,
mas a polícia nega peremptoriamente.
Resta a dúvida: o material evaporou?


Alexandre Oltramari

No dia 1º de novembro, um sábado, tocou a campainha do celular do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda. Do outro lado da linha, soou uma voz inesperada. Era o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, que já foi delegado da PF, procurador da República e, agora, está no centro da suspeita de comandar uma quadrilha que aplica pequenos e grandes golpes. Nervoso, o juiz pediu a Lacerda que liberasse um computador que, havia dois dias, fora apreendido pela polícia em sua casa, em São Paulo. Rocha Mattos explicou que trabalhos escolares de um de seus filhos estavam arquivados no computador. Lacerda ouviu o pleito com surpresa. "Você sabe melhor do que ninguém que precisa pedir isso ao Tribunal Regional Federal, não a mim. Se a desembargadora autorizar, a polícia devolve", respondeu Lacerda, com um indisfarçável constrangimento. Um dia depois, no domingo, Rocha Mattos voltou a telefonar a Lacerda. Em vez de um pedido, dessa vez o juiz fez uma observação enigmática. "Acho que no meio do material apreendido estão as fitas de Santo André", revelou ele.

As fitas mencionadas por Rocha Mattos foram gravadas pela Polícia Federal no início do ano passado, logo após o assassinato do prefeito de Santo André, o petista Celso Daniel. Em meio a uma interceptação telefônica que investigava narcotraficantes, a PF incluiu, de cambulhada, os telefones de líderes petistas no município. Desse grampo, resultaram 42 fitas, gravadas entre janeiro e abril. Em seguida, no rastro da investigação sobre o assassinato do prefeito, seu irmão Francisco Daniel acusou o PT de ter recolhido entre empresas de ônibus da cidade a quantia de 1,2 milhão de reais para campanhas eleitorais. O dinheiro, disse Francisco Daniel, teria sido entregue ao então deputado José Dirceu pelo atual chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, um dos grampeados em Santo André. A partir daí, sem que o conteúdo das fitas tivesse sido divulgado e sem que nenhuma autoridade que delas tenha tomado conhecimento viesse a público para comentar o assunto, especulou-se a respeito da possibilidade de as fitas de Santo André conterem conversas sobre o recolhimento de verbas de campanha. Tudo ficou na base da especulação. A Justiça considerou as gravações ilegais – como de fato eram – e mandou destruí-las em abril de 2002. Quem destruiu as fitas foi ninguém menos que o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, o mesmo que, agora, num enigmático telefonema a Paulo Lacerda, tratou de ressuscitá-las.

Ressuscitou-as no telefonema e também no papel, ao enviar às pressas um ofício de duas páginas à presidente do Tribunal Regional Federal em São Paulo, Anna Maria Pimentel. No ofício, o juiz informa que mantinha em seu poder cópias das 42 fitas cujos originais ele mandara destruir e acusa a Polícia Federal de apreendê-las e mandá-las indevidamente para Brasília. A VEJA, Rocha Mattos disse que guardara as cópias das fitas de Santo André no apartamento de sua ex-mulher Norma Cunha, onde a polícia também fez uma devassa. "As 42 fitas estavam ao lado da banheira, dentro de uma caixa, com a inscrição 'Caso Santo André'", sustenta Rocha Mattos. A Polícia Federal, por sua vez, contou duas versões. De início, admitiu ter apreendido as 42 fitas de Santo André, informando que estavam sendo devidamente degravadas em Brasília. Na quinta-feira passada, porém, o delegado Reinaldo de Almeida, porta-voz da operação policial, disse o contrário. "A PF informa peremptoriamente que não houve apreensão de fitas envolvendo o caso Santo André", afirmou.

De acordo com o delegado, foram apreendidas 34 fitas no apartamento de Norma e outras seis na residência de Rocha Mattos. Seriam, portanto, quarenta fitas – e não 42 –, e assim mesmo de conteúdo inteiramente diferente. "No lote encontrado com a Norma, há conversas dela com terceiros. No caso do Rocha Mattos, quatro fitas contêm músicas e duas trazem conversas dele próprio com outras pessoas", diz o delegado. O juiz Rocha Mattos realmente tinha a posse das cópias das fitas de Santo André, ainda que por um caminho labiríntico. Aconteceu o seguinte: em abril do ano passado, o juiz destruiu as fitas originais do caso, mas soube que o Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) possuía cópias das 42 fitas. Solicitou-as, para também destruí-las. Misteriosamente, porém, o Dipo não conseguiu localizar as tais cópias. E ficou por isso mesmo. Passado algum tempo, uma desembargadora do TRF entendeu que as fitas não deveriam ser destruídas e concedeu uma liminar ordenando que fossem preservadas. Ninguém deu atenção à liminar porque seu conteúdo era inócuo – afinal, as fitas originais haviam sido destruídas e as cópias estavam sumidas.

Eis que, em abril deste ano, o Dipo, em novo movimento misterioso, encontrou em seus arquivos as cópias das fitas – e mandou-as, acondicionadas numa caixa, ao juiz Rocha Mattos. O juiz, ao recebê-las, fez menção de destruí-las, mas, subitamente, lembrou-se da liminar da desembargadora, aquela à qual ninguém dera atenção, mandando que se preservasse o material. Diante disso, Rocha Mattos resolveu atender à liminar e preservou tudo. Mas, como nada na trajetória dessas fitas percorre caminhos convencionais, o juiz Rocha Mattos não anexou as cópias das fitas ao processo, como seria natural. Em vez disso, armazenou-as na casa da ex-mulher. "Precisava de um lugar seguro", diz ele, que, entre um cofre de banco e um depósito judicial, entendeu que segurança mesmo havia na vizinhança da banheira da ex-mulher. É um procedimento genuinamente heterodoxo, mas não chega a ser um crime. "Trata-se de uma infração interna, muito grave, passível de punição administrativa. Mas não há crime. Isso só teria acontecido se ele tivesse feito uso das fitas", explica o criminalista Luiz Flávio Gomes, doutor em direito e processo penal. "Guardar fitas que mandou destruir pode não ser um gesto usual ou regular, mas não vejo crime aí. É um fato atípico, sem dúvida. Mas ele pode ter guardado as fitas para efeito de curiosidade histórica", ironiza o criminalista Tales Castelo Branco.

Resta, no entanto, uma questão central. Se o juiz Rocha Mattos tinha as fitas, se as fitas estavam ao lado da banheira de sua ex-mulher e se a polícia não as apreendeu – onde estão as fitas? Há outra pergunta no ar: se as fitas têm um conteúdo inocente e não revelam nada de grave, como sempre sustentaram os petistas, por que tanta celeuma em torno de um monte de tiras magnéticas inúteis? Em conversas reservadas, os investigadores da PF dizem acreditar que o juiz Rocha Mattos tenha inventado a história da apreensão das fitas com o objetivo de acusar a PF de persegui-lo por razões políticas. Por esse raciocínio, Rocha Mattos estaria preparando o argumento de que foi perseguido por manter em seu poder provas que supostamente envolveriam gente graúda do governo num caso de corrupção. Será isso mesmo? "Até agora não me preocupei com essa história de Santo André. Se as fitas foram apreendidas, estão na perícia", diz o diretor Paulo Lacerda. "É loucura imaginar que a polícia pudesse desaparecer com alguma coisa para proteger quem quer que seja. As pessoas que estão trabalhando nisso são sérias."


O ofício sigiloso do juiz Rocha Mattos: explicações contraditórias sobre as fitas



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