- O Estado de S.Paulo
O presidente Lula interrompeu a sucessão de pesados ataques aos meios de comunicação. Não que tenha mudado a sua peculiar visão do que seja a liberdade de imprensa - para ele, sinônimo de "informar corretamente", deixando implícito que se considera juiz, como governante, não como leitor, do que possa ser informação correta e o seu oposto. Mas mudou de tom. Numa longa entrevista ao portal Terra, divulgada na quinta-feira, Lula trocou a agressão pela crítica civilizada. Refutou as acusações de autoritarismo que se seguiram aos seus canhonaços e disse duvidar que exista um país com mais liberdade de comunicação do que o Brasil, "da parte do governo".
Esquece-se convenientemente de que o Planalto patrocinou em 2004 o projeto do Conselho Federal de Jornalismo que pretendia "orientar, fiscalizar e disciplinar" a atividade de informar. Diante da vigorosa reação da sociedade, o governo deixou a proposta morrer. De todo modo, a imprensa brasileira é hoje tão livre como era no primeiro dia de Lula presidente. Quando não é, como no caso da censura prévia imposta a este jornal, o problema se origina no Judiciário. A questão suscitada por algumas das afirmações de Lula na mencionada entrevista diz respeito ao futuro, dependendo de quem der as cartas nesse jogo, na hipótese de eleição da candidata Dilma Rousseff.
Disse o presidente que "duas ou três famílias são donas dos canais de televisão, e as mesmas são donas das rádios e donas dos jornais". (Nem por isso ele exprime desconforto com o fato de que o patriarca de uma dessas famílias é o seu dileto aliado José Sarney.) Disse também, embora não tivesse empregado o termo, que a propriedade cruzada dos meios de comunicação terá de ser revista no próximo governo, ou nos próximos governos, quando o Congresso deverá inexoravelmente estabelecer um novo marco regulatório do setor de telecomunicações. "Discutir isso", ressaltou, "é uma necessidade da nação brasileira." De pleno acordo. Não é de hoje que o Estado critica a concentração da propriedade na mídia e as facilidades para que um punhado de grupos econômicos controle, numa mesma praça, emissoras e publicações.
Ocorre que a exortação de Lula não pode ser dissociada das investidas petistas contra a autonomia da produção jornalística. Em circunstâncias normais, a preocupação manifestada pelo presidente seria salutar e merecedora de apoio. Mas ela pode ser tudo menos isso. É como na Argentina. Há pouco tempo, o governo da presidente Cristina Kirchner fez o Congresso aprovar uma Lei de Meios, a qual, tomada pelo valor de face, se destinaria a coibir a formação de conglomerados de comunicação, abrangendo, além das modalidades tradicionais, serviços de internet, TV a cabo e telefonia. Mas, ao dotar o governo de amplos poderes para intervir no setor, esse marco regulatório tem o claro propósito de dar à Casa Rosada poder para premiar a imprensa complacente e asfixiar aquela que ainda não desertou de suas funções de fiscalização e crítica.
Imaginem-se, portanto, os riscos de que um Congresso dominado pela coalizão lulista - e sob pressão dos "movimentos populares" atrelados ao PT - venha a impor uma legislação semelhante à do país vizinho, com o mesmo fim. Não se trata de fantasia. O ambiente para tal vem sendo laboriosamente construído pelos garroteadores em potencial da mídia. Entre um golpe de borduna e outro do presidente, por exemplo, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, cujas ambições partidárias no pós-Lula são amplamente conhecidas, aparece falando em "abuso do poder de informar" - uma óbvia senha para a companheirada. Seria o cúmulo da ingenuidade não ligar os pontos dessa urdidura.
O único dado alentador, no momento, foram as declarações de Dilma em defesa da liberdade de imprensa. A candidata não só tornou a repetir a boutade de que o único controle social da mídia que aprova é o controle remoto do televisor, como prometeu que, se eleita, não tentará impedir que a imprensa fale dela o que bem entender. "No máximo", antecipou, "vou dizer: está errado, por isso, por isso e por isso." É esperar que a sua posição prevaleça, se ela for a próxima presidente - que esperamos que não aconteça.
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