Na corrida reeleitoral, o PT aprova
a mesma política de alianças que levou
à criação do valerioduto. Ser petista
é crer no dom infinito de enganar?
Otávio Cabral
Fotos Ed Ferreira/AE, Celso Junior/AE, José Varella/CBPress, Antonio Cruz/ABR, José Paulo Lacerda/AE e Pisco Del Gaiso |
Alguns personagens do escândalo do mensalão: o PT achou melhor varrê-los para debaixo do tapete |
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Ao encerrar seu 13º encontro nacional, o Partido dos Trabalhadores aprovou um documento de quinze páginas e duas medidas constrangedoras. A primeira é que os 1 500 militantes petistas reunidos em São Paulo decidiram que o escândalo do mensalão não deve ser investigado dentro do partido no decorrer deste ano, mas só em 2007, num exemplo eloqüente de que o desmanche ético da legenda está subordinado às conveniências do calendário eleitoral. A segunda decisão de estarrecer refere-se à política de alianças do PT para a eleição presidencial. Por aclamação, decidiu-se autorizar o partido a fazer "alianças com partidos que integram a base de apoio do governo, bem como com partidos que não integram a base", excluindo apenas os adversários PSDB e PFL. Isso significa que o PT está disposto a aliar-se com as mesmas legendas do mensalão: o PTB de Roberto Jefferson, o PL de Valdemar Costa Neto, o PP de José Janene e o PMDB de José Borba. E, como esse pessoal não é de fazer alianças com base em idéias ou programas, pode-se desconfiar que uma reprise do famigerado mensalão esteja discretamente em gestação.
A articulação que levou à aprovação das alianças com os mensaleiros foi comandada – poderia ser diferente? – pelo ex-ministro José Dirceu, o "chefe da quadrilha", segundo escreveu o procurador-geral da República na denúncia em que acusou a antiga cúpula do PT de ter-se convertido numa "organização criminosa". No início do mês passado, Dirceu reuniu-se sigilosamente com o presidente Lula, na Granja do Torto. Nessa reunião, Dirceu defendeu a tese de que Lula, para garantir condições mínimas de governabilidade num eventual segundo mandato, precisava selar uma ampla aliança eleitoral. Lula concordou, e Dirceu foi à luta para convencer os petistas a aprovar a idéia. Sua notável influência dentro do partido parece intocada, apesar de ter chefiado o maior escândalo de corrupção dos últimos tempos. No encontro do PT, Dirceu foi tratado como um capo no seu auge. Tirou fotografia com militantes, deu autógrafos, distribuiu beijos, fez discursos, articulou e ganhou seu supremo elogio. O presidente Lula, ao discursar, apontando para José Dirceu, disse à platéia: "Aqui está o nosso companheiro. Companheiro nosso, na dúvida, é nosso companheiro".
Adriano Machado/AE | Sérgio Lima/Folha Imagem |
Michel Temer (à esq.), presidente do PMDB, e Tarso Genro (à dir.): sem a aliança será "praticamente impossível" Lula governar |
É correta a análise segundo a qual Lula terá enormes dificuldades para governar num segundo mandato. Na eleição presidencial de 2002, quando estava no auge de sua popularidade e trazia consigo um partido que gozava do respeito de boa parte do eleitorado, Lula conseguiu eleger uma bancada de 91 deputados petistas – expressiva, mas insuficiente para garantir maioria, tanto que apelaram para o mensalão. Na eleição de agora, Lula tem mantido seu prestígio em alta, segundo as pesquisas eleitorais feitas até aqui, mas seu partido é apenas um rascunho do que já foi. É difícil imaginar que, nesse ambiente de desmoralização, o PT consiga fazer uma bancada numerosa como a eleita em 2002 – o que torna as alianças imprescindíveis. O grande alvo petista do momento é o PMDB, a legenda que ficou menos exposta no mensalão, mas por um golpe de sorte. O ex-deputado José Borba, ex-líder do partido na Câmara, flagrado com 2,1 milhões de reais do valerioduto, renunciou ao mandato para fugir da cassação e não contou para quem distribuía o dinheiro. Um ex-sócio do advogado de Borba já disse publicamente que o mensalão chegava a 55 deputados do PMDB. A denúncia não foi investigada.
Na semana passada, em busca do apoio do PMDB, o ministro Tarso Genro ofereceu a vaga de vice na chapa de Lula ao partido – e repisou na imperiosa necessidade da aliança. Na conversa com o presidente do partido, deputado Michel Temer, o ministro chegou a dizer que, sem o apoio peemedebista, será "praticamente impossível" Lula governar por mais quatro anos. Em mais uma prova de que o poder exerce atração irresistível para certos tipos de político, o PMDB começa a inclinar-se pelo apoio à reeleição de Lula. Mesmo líderes que antes se opunham frontalmente a essa alternativa, como o próprio Michel Temer, já acham que dar os braços ao PT não é uma idéia inteiramente despropositada. Examinando-se os humores do PMDB pelo país, constata-se que, em dezenove estados, os dirigentes do partido são simpáticos à idéia de apoiar Lula. Nessa conta, estão incluídos estados com eleitorado expressivo, como São Paulo, e todos os estados nordestinos, à exceção de Pernambuco – que, no entanto, já abandonou a idéia de defender a candidatura própria depois do vexame de Anthony Garotinho (veja reportagem).
Com uma política de alianças que prestigia os mensaleiros e uma militância que se recusa a fazer investigações sérias sobre o mensalão, o PT deixa cair sua última máscara ética – a primeira foi a máscara que sugeria interesse na "refundação" da legenda. Com as decisões do encontro nacional, fica evidente que o PT não tem intenção de purgar os pecados do mensalão nem pretende restabelecer nenhum critério que não o eleitoral para as alianças partidárias. O motor dessa atitude, que mistura eleitorarismo com degeneração ética, é obviamente o projeto de poder – e, nisso, as pesquisas eleitorais são o trunfo petista do momento. Lula segue muito à frente de seu adversário mais próximo, o ex-governador Geraldo Alckmin, em quase todo o país. Na semana passada, uma pesquisa realizada pelo Ibope mostrou que, até no estado de São Paulo, a vantagem de Alckmin sobre Lula, que era de 18 pontos há um mês, agora está reduzida a 9 pontos porcentuais. Julgando que a vitória já está assegurada, o PT entende que não deve satisfações de nada – e, nesse contexto, dá a entender que um mensalão a mais ou a menos não faz lá grande diferença.
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O QUADRILHEIRO NO BANCO SUÍÇO
Fabio Motta/AE |
Dirceu: sigilo garantido no Credit Suisse |
Na próxima terça-feira, o ex-ministro José Dirceu desfrutará mais um episódio da dolce vita de que se tornou protagonista depois que deixou o governo. Ele será recebido com pompas na sede brasileira do Credit Suisse. O banco convidou seus "clientes especiais" para uma confraternização em torno do petista. É isso mesmo. Será um bate-papo íntimo com o chefe da quadrilha do mensalão. Segundo a direção do Credit, o objetivo é manter seus principais correntistas "atualizados e bem informados sobre o que se passa no Brasil". Eles se apressam em dizer que a presença da imprensa está vetada, claro. A reportagem de VEJA, por exemplo, não é bem-vinda. Em qualquer país sério, José Dirceu teria problemas até mesmo para abrir uma conta bancária – afinal, a quadrilha que ele chefiava roubou recursos públicos, fez caixa dois, falsificou documentos e praticou evasão de divisas. No Credit Suisse brasileiro, no entanto, o quadrilheiro-mor terá direito a tratamento vip. Para o banco, não há nenhum problema em associar sua imagem à de um político acusado de chefiar uma organização criminosa. É sintomático. A direção da instituição informa, candidamente, que "o mercado tem todo o interesse em ouvir José Dirceu". É arrepiante imaginar quais podem ser esses interesses.
Essa não é a primeira vez que o nome do Credit Suisse é associado a assuntos de natureza criminal. Em março, Peter Schaffner, gerente do escritório brasileiro de private banking do Credit Suisse, foi preso pela Polícia Federal. Ele tentava embarcar às pressas para a Suíça depois de descobrir que estava sendo investigado por suspeita de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e operações ilegais feitas em parceria com doleiros. As investigações ainda não foram concluídas, mas outros seis executivos do banco já tiveram o passaporte apreendido pela PF para evitar que também caíssem na tentação de desaparecer do país. Os problemas do Credit Suisse, no entanto, não ocorrem apenas em território brasileiro. Em sua sede, na Suíça, o banco também é acusado de receber dinheiro sujo remetido por gente da pior espécie. Entre seus clientes já estiveram os ditadores Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier, do Haiti, Ferdinand Marcos, das Filipinas, e Sani Abacha, da Nigéria, país que é considerado um dos mais corruptos do mundo. No meio de gente desse naipe, José Dirceu só poderia mesmo ser tratado como convidado de honra. Quem sabe não lhe dão até um cheque especial.
Fábio Portela
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