Uma trivialíssima máquina pode reduzir
à metade o tempo de tramitação
do caso do bando dos 40 no STF
Alexandre Oltramari
Montagem com fotos divulgação/Givaldo Barbosa-Ag. Globo e Joedson Alvess-AE |
Os ministros Ellen Gracie, presidente do STF, e Joaquim Barbosa, relator do caso dos 40: os primeiros a dizer que não dá para apressar as coisas |
Na semana passada, ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, a ministra Ellen Gracie Northfleet tornou-se a primeira mulher a comandar a mais alta corte do país. A nova presidente do STF tem um imenso desafio pela frente: acelerar a morosa tramitação do processo do bando dos 40, a organização criminosa comandada pelo PT que, segundo a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, tinha o objetivo de perpetuar o partido do presidente Lula no poder. A ministra já disse que o STF está afogado e que não será possível abreviar o processo do mensalão. "É preciso respeitar os prazos processuais. Daí a possível delonga em razão do grande número de pessoas denunciadas", disse a ministra. Antes dela, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, já alertara para a demora. Com toda a cúpula do partido que governa o país denunciada por crimes como corrupção e formação de quadrilha, porém, seria recomendável que o STF se empenhasse em encontrar uma maneira de acelerar o processo, desde que isso não represente uma ameaça ao amplo direito de defesa dos acusados. Infelizmente, não é o que está acontecendo – e não é por falta de opção.
Estima-se que o julgamento dos acusados de integrar o bando dos 40 não deva ocorrer em menos de quatro anos, o que adiaria a decisão final para 2010. Somente para decidir se aceita ou não a denúncia do procurador-geral, o STF deve levar quase dois anos. É que, antes de receber ou rejeitar a denúncia, o tribunal precisa ouvir a defesa prévia dos acusados. Nessa etapa, cada um dos 40 denunciados tem o direito de pedir vistas do inquérito criminal, por até quinze dias, para preparar sua defesa. Somente aí, portanto, serão consumidos 600 dias – ou um ano e sete meses. Com alguma boa vontade, e sem nenhum prejuízo à defesa dos acusados, essa fase poderia ser reduzida para cerca de três semanas. Bastaria usar uma simples máquina fotocopiadora. Em vez de esperar que cada denunciado passe quinze dias com o inquérito, o STF poderia mandar fazer 40 cópias autenticadas do documento, que possui 5.000 páginas. Seriam, portanto, 200.000 folhas. Como uma máquina de ponta é capaz de copiar até 100 páginas por minuto, um contínuo levaria 33 horas para fazer o trabalho. Com a papelada pronta, e devidamente autenticada, bastaria distribuir uma cópia para cada um dos 40 denunciados. Assim, apenas com essa medida simplória, o prazo de tramitação do processo seria reduzido à metade.
"É uma solução possível. Mais que isso: é uma solução conveniente. Nesta altura dos acontecimentos, quanto mais cedo sair uma decisão, melhor", afirma o jurista Paulo Brossard, ele próprio um ex-ministro do STF. "Afinal, como dizia Ruy Barbosa, Justiça que tarda é sempre falha." O advogado tributarista Ives Gandra Martins, outro expoente do mundo jurídico, concorda com Brossard. "Em 48 anos de advocacia, eu nunca vi isso acontecer, mas acho que é uma alternativa legal e válida para agilizar o processo", diz. Gandra Martins ainda sugere outra medida para acelerar o julgamento: o desmembramento do processo do mensalão. Nesse caso, seriam criadas 40 denúncias distintas, agilizando o encaminhamento geral. O risco é que dos 40 denunciados apenas seis têm direito ao foro privilegiado, ou seja, o direito a ser julgado diretamente pelo STF. Os outros 34 seriam julgados pela Justiça comum. O problema é que, devido aos infinitos recursos possíveis no sistema brasileiro, tudo o que começa na Justiça comum acaba chegando ao STF em Brasília, para ter sua sentença confirmada. O percurso, da base à cúpula do Judiciário, costuma ser, como tudo na Justiça brasileira, uma lentíssima via-crúcis.
A aceleração da fase preliminar por meio de uma fotocopiadora, porém, resolve apenas metade do problema. A outra metade – a intrincada tramitação do processo em si – requer uma profunda reforma do Código de Processo Penal, um arcaísmo que remonta à década de 40, quando foi editado pelo governo de Getúlio Vargas. Criado com o saudável objetivo de garantir amplo direito de defesa aos réus, o sistema processual brasileiro ficou tão formal, tão cheio de penduricalhos que parece ter sido concebido para evitar que um processo chegue ao fim. Isso faz com que um bom advogado possa aplicar uma miríade de chicanas jurídicas apenas para que o processo não tenha desfecho algum. Ou, então, que só termine depois que o crime estiver prescrito, deixando o criminoso impune. Há uma série de projetos de lei no Congresso que pretendem restringir a margem de manobra dos réus enganadores e assim agilizar o trâmite processual. Mas, por alguma insondável razão, os deputados nunca demonstraram muito interesse em votar a matéria. Ainda assim, resta a prosaica alternativa de fazer justiça no devido tempo recorrendo a uma fotocopiadora. O ministro Joaquim Barbosa, a quem cabe tomar as providências sobre o andamento do caso dos 40 – e até mesmo mandar tirar cópias da denúncia – não quis conversar com VEJA sobre o assunto.
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