Nos últimos cinco anos tenho trabalhado em atividades de consultoria em cerca de duas dezenas de municípios economicamente deprimidos, localizados principalmente no centro-norte do Pará e no leste de Minas Gerais. O objetivo é identificar oportunidades de investimentos diretamente produtivos visando a promover um processo de desenvolvimento desses municípios e suas microrregiões. Os principais obstáculos a ser enfrentados têm sido a profunda escassez de capital social e institucional, assim como o quadro de histerese socioeconômica que permeia as estruturas desses municípios e de seus habitantes. Faltam as condições necessárias para a mobilização social e política da população, de um lado, e para o empreendedorismo local, do outro, visando tanto a solucionar os problemas socioeconômicos quanto a ativar as potencialidades de crescimento econômico.
Mas, em quase todos esses municípios, um evento portador de mudanças chega de forma inequívoca em suas economias. Com o crescimento acelerado da demanda mundial de produtos intensivos de recursos naturais renováveis e não-renováveis (alimentos, bioenergéticos, papel e celulose, minérios e metais, etc.), particularmente a partir da expansão intensificada do consumo e dos investimentos na China, tornou-se inevitável redefinir o nível de potencial econômico desses municípios.
No médio prazo, pode-se dizer que a dotação de recursos de uma região menos desenvolvida é simplesmente o estoque de recursos naturais que são requeridos, em algum grau, pela economia nacional para atender às demandas interna e externa. À medida que os requisitos da economia se modificam no longo prazo, a composição do estoque se altera e, nesse sentido, o significado do que seja "dotação de recursos" muda com a dinâmica do crescimento econômico, ou seja, com os determinantes da demanda final (preferência dos consumidores, distribuição da renda e da riqueza, padrão do comércio exterior, etc.) e com as condições tecnológicas e de organização do sistema produtivo. Assim, o conceito de potencial de recursos é econômico, e não físico. O valor de um recurso natural não é, pois, intrínseco ao material que o compõe, mas depende da estrutura da demanda, dos custos de produção, dos custos de transporte e das inovações tecnológicas que sejam comercialmente adotadas.
Ora, com a mudança do patamar da demanda global para produtos intensivos de recursos naturais, muitas áreas do País estão tendo sua potencialidade econômica redefinida. Ou porque os crescentes preços relativos desses produtos permitem o uso de recursos de pior qualidade (áreas ecologicamente degradadas) ou porque esses preços favorecem o uso de recursos geograficamente de menor acessibilidade (áreas mais distantes dos mercados consumidores). Dois economistas clássicos estudaram particularmente este processo de valorização de recursos naturais de menor produtividade ou pior qualidade (Ricardo) ou de pior acessibilidade e maiores custos de transporte (Von Thünen) gerando uma renda diferencial para os seus proprietários, num contexto de demanda induzida em expansão.
Assim vem ocorrendo em muitos municípios do País, como no centro-norte do Pará, com o plantio de palmáceas de dendê para a produção de biodiesel em áreas de pastos degradadas; ou no leste de Minas, com a demanda de terras de menor produtividade para o plantio de eucaliptos para duplicação da capacidade produtiva da indústria de papel e celulose. O valor econômico do patrimônio fundiário se amplia seja por diferentes formas de arrendamento de parcelas das propriedades, seja por contratos de pré-compra com assistência técnica liderados por empresas-âncora.
Como a expansão da demanda direta ou indireta por recursos naturais (ainda que de baixa produtividade ou de pior acessibilidade espacial) tende a ser sustentada, consistente e crescente em escala global, o crescimento da renda diferencial dos seus proprietários tende a se elevar e a contribuir para a formação do embrião de uma nova vertente da classe média rural nesses municípios.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário