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quinta-feira, 8 de julho de 2010

#casobruno #bruno A família de Eliza Samudio tem que ser indenizada como a de Jayceen Dugard


MULHERES MUITAS VEZES DEIXAM de denunciar estupros porque temem, ou sabem, que de alguma forma serão julgadas também culpadas. Ou de estimular o estuprador, ou de aceitar o jogo e depois dizer que não, ou de qualquer outra coisa que desvie o foco para ela e não para o agressor e a agressão.

Os debates em torno da tragédia de Eliza Samudio, a jovem provavelmente morta depois de se envolver com Bruno, goleiro do Flamengo, são reveladores de quanto é comum a inversão de posições quando uma história de sexo termina mal. Muitas vezes, sem se dar conta, as próprias mulheres condenam as vítimas. Se isso acontece, que dizer, então, dos homens.

Eliza, uma típica Maria Chuteira, bonita, atraente, jovem, não fez nada que outras tantas não fizeram, fazem e farão sem que nada lhes aconteça. Ela não andava com mafiosos, traficantes, bicheiros, assassinos. Neste caso, e só então, se poderia dizer que ela cortejava o perigo.

Era procurada, pela beleza disponível, por jogadores. Outras mulheres cercam pilotos de Fórmula 1, tenistas, golfistas etc. Esportistas ricos atraem mulheres em todos as partes. É só ver as namoradas, mulheres e amantes dos jogadores da Copa do Mundo. Ou o cartel de Tiger Woods.

Eliza não era melhor nem pior, em sua preferência por jogadores, do que nenhuma outra mulher que se associou em algum momento a futebolistas, de Daniela Cicarelli a Vitoria Beckham. Nem que outras que borboleteiam ou borboleteavam nos grids, como Adriane Galisteu ao entrar na vida de Ayrton Senna.

Menos polida, menos culta, menos glamurosa? É possível. Mas não pior, por ser eventualmente mais tosca.

Ela sequer pode ser acusada de ter engravidado deliberadamente. Segundo o próprio Bruno, foi usada camisinha. Se estourou, não foi culpa dela. Por que ela deveria ter abortado? Para agradar Bruno? Para provar alguma coisa a hipócritas?

Em tragédias de mulheres como Eliza, a uma primeira condenação — a feita pelo agressor — se soma uma segunda, feita pela sociedade.

Eliza, como tantas mulheres, estava atrás de alegria, diversão e prazer quando ingressou no circuito dos jogadores. Se um deles tinha inclinações homicidas, foi um azar monumental. Um bilhete premiado às avessas. Não fosse ela a vítima, teria sido provavelmente uma outra mulher.

Talvez pela baixa criminalidade de jogadores de futebol a polícia não tenha ouvido e protegido Eliza como deveria. Ou por preconceito: por ela não ser rica e nem ter modos de dama. Ela gritou com todas as forças por socorro, como se vê nos múltiplos vídeos em que ela trata do caso. É estarrecedor que sua gritaria não a tenha salvo. E é justo que a família dela seja recompensada pelo que deveria ter sido feito e não foi.

Nos Estados Unidos, a família de Jaycee Dugard ganhou mais de 20 milhões de dólares do estado da Califórnia porque a polícia não a protegeu de um pedófilo cujos movimentos deveriam estar sendo controlados. Foi um processo velocíssimo e exemplar: durou menos que um semestre. (Aqui,o texto que escrevi.)

Se a polícia carioca tiver que pagar pela inépcia da qual foi vítima Eliza, outras mulheres em risco de vida terão um destino diferente.

Será um avanço para a sociedade — e especificamente para mulheres, tantas das quais lançam neste momento um lastimável olhar condenatório para a pobre Eliza.




Paulo Nogueira
Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.





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