Ricardo Stuckert/PR
“Não podemos permitir que bandidos travestidos de libertadores coloquem a democracia em risco”.
A frase é de Lula. Pronunciou-a em 3 de maio, num encontro com o presidente do Paraguai, Fernando Lugo. Deu-se na região de fronteira, numa avenida que separa a paraguaia de Pedro Juan Caballero da brasileira Ponta Porã (MS).
Lula se referia ao EPP (Exército do Povo Paraguaio). Trata-se de um grupo guerrilheiro. É inspirado na congênere Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Segue-lhe os passos.
Até aqui, os guerrilheiros paraguaios se financiavam à base de sequestros. Ameaçam diversificar os negócios, aderindo às drogas. O repórter Carlos Wagner esmiuçou os movimentos do EPP e os esforços para reprimi-lo.
Levou às páginas do diário gaúcho Zero Hora um relato que impressiona. Colecionou dados preocupantes.
Uma das principais bandeiras dos guerrilheiros paraguaios é a tomada do poder pelas armas. A outra é a expulsão dos 400 mil colonos brasileiros que vivem do outro lado da fronteira, os brasiguaios. Ainda não lograram alcançar a primeira meta. Mas avançam com virulência sobre os brasileiros.
O nome de batismo da guerrilha surgiu pela vez num atentado contra brasiguaios. Aconteceu em 13 de março de 2008, na cidade paraguaia de Horqueta. Fica a 100 km da fronteira com o Brasil. Ali, depois de tocar fogo na fazenda de um colono brasileiro, os guerrilheiros anotaram na parede de um galpão: “Exército Popular do Paraguai”.
Há, hoje, à beira da BR-163, uma rodovia que corta o Mato Grosso do Sul, algo como 400 famílias acampadas. São colonos brasileiros expulsos do Paraguai por grupos de sem terra armados pelo EPP. “Cercaram nossa casa e dispararam tiros”, contou Gervásio da Silva. Gaúcho, 31 anos, ele cultivava milho e soja. “Só deram tempo para sairmos. Ficaram com tudo que havíamos construído nos últimos 20 anos”.
No último dia 22 de abril, na Estância Santa Adélia, em Horqueta (Departamento de Concepción), foram executados três brasiguaios: Osmar da Silva Souza, Jair Ravelo e Francisco Ramirez. Junto com eles, foi morto o policial paraguaio Joaquín Aguero.
No encontro do início de maio, Lugo evocou os assassinatos. Disse a Lula que adotara providências para localizar e prender os responsáveis. Um decreto de Lugo pôs sob estado de exceção cinco departamentos onde agem os guerrilheiros.
Para sufocá-los, o governo mobilizou 3 mil homens das Forças Armadas e da Polícia Nacional. O governo ofereceu recompensa em troca da delação dos guerrilheiros. Orçou a entrega de cada um dos cabeças do movimento em 500 milhões de guaranis. Coisa de R$ 150 mil.
Espalharam-se cartazes e outdoors com as fotos dos inimigos do Estado. Um deles, Julián de Jesús Ortiz foi capturado no início do mês.
A guerrilha paraguaia é, por ora, mais forte no imaginário popular do que no real poder de fogo. Estima-se que os líderes não passam 15. O “exército” não reuniria mais do que cem insurretos.
Com a repressão, o governo Lugo tenta antecipar-se ao passo seguinte da guerrilha. “Os seguidores do EPP irão pelo mesmo caminho das Farc”, disse Nelson Lopez, um dos diretores da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai).
Que caminho é esse? O controle de regiões inteiras do país e a diversificação dos “negócios” –dos sequestros para as drogas. Considerado o berço do EPP, o departamento de San Pedro abriga 1,2 mil famílias que se dedicam ao cultivo da maconha.
A droga abastece cartéis que agem na fronteira com o Brasil. A Polícia Federal brasileira farejou o cheiro de queimado: “Imagine um território livre a 120 quilômetros da fronteira seca com o Paraguai!”, preocupa-se o delegado federal Fabrízio José Romano, de Ponta Porã (MS).
O receio de que prolifere na fronteira uma nova narcoguerrilha levou o governo brasileiro a se associar aos esforços paraguaios. A PF ajuda a secretaria antidrogas do Paraguai na repressão ao EPP.
O mesmo Lugo que hoje tenta sufocar a guerrilha ajudou a tonificá-la na campanha presidencial de 2008. Sobre o palanque, Lugo prometera expulsar os brasiguaios com documentação irregular –algo como 80% dos 400 mil.
Eleito, foi pressionado pelo Brasil e arquivou a promessa. Com isso, açulou os movimentos que brigam por terra no Paraguai. E ofereceu matéria-prima para a ação da guerrilha, que comprou a causa dos desassistidos.
No topo da hierarquia do EPP estão ex-agricultores e ex-seminaristas que já atuaram ao lado de Lugo. Ajudavam-no em obras sociais na época em que o presidente paraguaio era bispo da Igreja Católica.
Ao enveredar pelo universo da política, Lugo escolheu trilhar o caminho institucional das urnas. Seus ex-aliados foram às armas. Agora, medem forças, sob olhares tensos das autoridades brasileiras.