Como previsto, Lula protagonizou neste sábado (18) uma derradeira tentativa de derramar o seu prestígio sobre a candidatura de de Marta Suplicy.
Deu-se num comício, em São Paulo. Ao discursar, Lula soou contraditório. Primeiro defendeu Marta. Depois criticou a estratégia da campanha petista.
O presidente saiu em defesa da companheira ao refutar a acusação de que o comitê dela levou ao ar um comercial preconceituoso.
Referia-se à peça em que, a pretexto de estimular o eleitor a perscrutar a biografia de Gilberto Kassab, o petismo pergunta se o rival é casado, se ele tem filhos.
Para Lula, Marta é quem foi vítima de preconceito, não Kassab: "Eu estava fora [em viagem ao exterior] quando vi outro preconceito contra essa mulher...”
“...Tentando passar a idéia de que essa mulher tem preconceito contra o homossexualismo...”
“...Quando todos nós tínhamos preconceito, ela estava na TV Mulher defendendo as minorias."
Depois, dirigindo-se à militância que o ouvia, Lula insinuou que os ataques contra Kassab, longe de ajudar, atrapalham.
"Não precisa falar mal do outro. Falem bem dela. Só falamos mal do outro quando não temos nada melhor para mostrar."
Lula chegou mesmo a fazer reparos ao comportamento de Marta no primeiro debate televisivo do segundo turno.
Um debate em que a candidata petista irritou-se com um pedido de direito de resposta concedido a Kassab e outro negado a ela.
"Agora tem mais dois debates. Nesses, ela vai estar bem simpática, bem equilibrada".
A despeito da aparente contradição, Lula tachou de hipócrita a reação ao comercial que roçou a vida pessoal de Kassab.
"Ela [Marta] é acusada de preconceituosa? Eu ainda vou criar o dia da hipocrisia neste país".
Tão feio quanto defender o indefensável é legislar em causa própria.
Não vi ninguém sair em defesa de Marta Suplicy, a não ser ela mesma e assessores. O ex-marido, que lhe deu o sobrenome, a criticou. As perguntas do PT – “Você conhece o (prefeito Gilberto) Kassab? Ele é casado? Tem filhos?” – queimaram o filme de uma sexóloga que sempre se disse liberal, liberada e discriminada. Amiga dos gays, mãe de roqueiro. Perguntaram ao prefeito, em sabatina num jornal, se ele era homossexual. Kassab respondeu: “Não, não sou”. Sinceramente, e daí?
Foi baixaria de Marta. Lula não deve ter aprovado, ele sabe o que é jogo sujo. Logo Marta, acusada grosseiramente de adúltera em 2001. Logo ela, que se indigna com razão quando alguém pergunta sobre sua vida familiar. Ninguém tem nada a ver com sua separação do senador Eduardo Suplicy logo após se eleger prefeita de São Paulo há sete anos. Nem com a paixão madura por seu conselheiro argentino de campanha, consumada em cerimônia high society. Uma opção de mulher, não de prefeita. O desespero com o favoritismo de Kassab transformou Marta na Sarah Palin brasileira: um pit bull de batom. Foi como se comportou ao indagar sobre a vida particular do adversário.
Uma polêmica nacional seguiu-se. No Rio de Janeiro, o sexo também entrou de gaiato na campanha por causa de fotos de Fernando Gabeira, de sunga e toalha-túnica na piscina do clube Flamengo. Um sungão casto se comparado à tanga de crochê lilás de 1979.
Diante de tamanha excitação, eu me pergunto até onde um gay assumido pode ir no Brasil. O prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, é homossexual declarado e foi eleito e reeleito. Não por ser gay, mas por suas qualidades como administrador. A questão gay é uma não-questão para os eleitores parisienses. Berlim também tem prefeito gay, Klaus Wowereit. O que nós, brasileiros, achamos disso?
O Brasil celebra as cores do arco-íris com paradas gigantescas. Só falta governadores beijarem transformistas na rua. A legislação é cada vez mais progressista. Lula defendeu no mês passado a união civil entre homossexuais: “Temos de parar com hipocrisia, porque a gente sabe que tem homem morando com homem, mulher morando com mulher, e muitas vezes vivem bem, de forma extraordinária”.
Vamos combinar que, no Brasil, a homossexualidade é vista com naturalidade em alguns redutos. Em outros, continua sendo tabu. Cantor pode ser gay ou bissexual, mas prefeito ou governador não. Ator de teatro pode ser gay, mas galã de telenovela não. Artista plástico pode assumir que é gay, mas economista do governo não. Designer ou decorador pode ir às festas enganchado ao namorado, mas diplomata não. Bancário sim, mas banqueiro não. Jogador de futebol, piloto ou ginasta, de jeito nenhum, esses precisam negar até o fim. Militares então... aí nem depende de patente. Acabam punidos se saírem do armário – o sargento Laci de Araújo é o exemplo mais recente.
O antropólogo Roberto DaMatta, de 72 anos, arguto observador das transformações na sociedade, recorda que, há menos de meio século, mulheres desquitadas não eram convidadas às casas de família. O divórcio era ilegal no Brasil. “Homossexuais eram uns ‘invertidos’. Policiais sentiam prazer nas batidas para prender gays”, diz. As convenções mudaram muito, felizmente. “Mas, de alguma forma, a homossexualidade ainda é considerada por conservadores uma traição. Daí a expressão ‘jogar no outro time’.” DaMatta diz que as perguntas impertinentes de Marta a Kassab “desmascaram o falso moralismo dos radicais”. “O que pega na Marta é uma espécie de desequilíbrio. Ela se acha politicamente correta, mas não aceita outra verdade.”
Foi atribuída ao gênio da física Albert Einstein (1879-1955) a frase “é mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito”. Num momento em que os Estados Unidos podem eleger como presidente o primeiro mulato de sua história, derrubando um preconceito de raça que parecia intransponível, é válido perguntar até quando a opção sexual de um político poderá provocar constrangimento ou virar assunto de campanha. “A política é muito suja”, disse Marta Suplicy. É, companheira.
Marta relaxa no vôo 455 para Paris
De Lauro Jardim:
Não foi exatamente tranqüilo o início do vôo 455 da Air France que na terça-feira passada decolou de São Paulo para Paris. A responsável pela trepidação foi Marta Suplicy, que ia para a China, com escala em Paris. Ao embarcar, o casal Marta e Luis Favre relaxou e decidiu não passar pela revista de bagagem de mão feita por raios X. Os Favre furaram a fila da Polícia Federal. Vários passageiros se revoltaram. Marta respondeu que, no Brasil, para as autoridades não valem as exigências que recaem sobre os brasileiros comuns.
Os passageiros não relaxaram com a explicação. Continuaram a reclamar, mesmo com todos já embarcados. Deu-se, então, o inusitado: o comandante do Boeing 777 saiu do avião, chamou a segurança e disse que não decolaria até que todos os passageiros passassem suas bagagens de mão pelo raio X. Marta Suplicy deixou seu assento na primeira classe (Favre estava na executiva) e dignou-se fazer o que o comandante pediu. Nesse instante, os passageiros "relaxaram e gozaram".
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