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segunda-feira, 23 de junho de 2008

Engenheiro brasileiro foi torturado e executado no Iraque, indica laudo


João José de Vasconcellos Jr., morto em 2005, recebeu um tiro na nuca até 36 horas após ação de seqüestro

Alexandre Rodrigues


Na manhã de 19 de janeiro de 2005, em que o engenheiro João José de Vasconcellos Jr. se despedia da paisagem do Iraque no carro que o conduzia de Beiji ao aeroporto de Bagdá, a viagem foi interrompida por uma brusca colisão.

O automóvel foi interceptado por um grupo terrorista e seguiu-se um tiroteio. Sentado do lado direito do banco traseiro, Vasconcellos Jr. abaixou-se. Foi atingido por uma bala de fuzil que lhe atravessou o dorso perto da axila direita e alojou-se no intestino. Mesmo ferido, o brasileiro foi capturado por seus seqüestradores ainda vivo.

Vasconcellos Jr. pode ter sobrevivido até 36 horas. No cativeiro, seus algozes decidiram executá-lo com um disparo na na nuca, possivelmente um tiro de misericórdia.

Um ano depois de o corpo do engenheiro da Norberto Odebrecht ter sido repatriado e sepultado em Juiz de Fora (MG), o Estado obteve o relatório de um exame necroscópico feito em sigilo - assim que ele chegou ao Brasil -, que esclarece pela primeira vez as circunstâncias da morte. O documento, assinado pelos legistas Francisco Américo Fernandes Neto e Fortunato Badan Palhares - que atuou no caso do assassinato de Paulo César Farias -, relata o exame feito no Instituto Médico-Legal de Campinas um dia antes do sepultamento.

A necropsia confirmou a hipótese mais comum durante os dois anos e meio de notícias desencontradas sobre o seqüestro, período entre a ação dos terroristas e a recuperação do corpo. As fotos da destruição do carro por balas de fuzil e os relatos do ataque ao comboio que transportava o engenheiro - que deixou dois guarda-costas britânicos e o motorista iraquiano mortos - confirmavam a tese de que ele tinha sido baleado. A exibição de documentos de Vasconcellos Jr. pelos rebeldes das Brigadas Mujahedin e Ansar al-Sunna, que reivindicaram a ação três dias depois na TV Al-Jazira, trouxe a esperança de que ele estivesse vivo. Pelo que atestam os legistas, naquela altura os terroristas já tinham executado o engenheiro.

Nos primeiros meses, a família, a Odebrecht e o Itamaraty lideraram uma série de manifestações públicas e apelos humanitários no Brasil e no exterior pela libertação de Vasconcellos Jr. Enquanto o País continuava sem notícias, contatos com grupos ligados aos insurgentes revelaram, já no primeiro ano, uma série de evidências que deixou claro para os envolvidos na operação que o engenheiro estava morto. A certeza veio com a devolução dos documentos exibidos na TV, o envio de uma mecha de cabelo e, por fim, um dedo que foi submetido a um exame de DNA. Então, foram desencadeados os esforços, cercados de segredo, para recuperar o corpo.

Há conclusões reveladoras no relatório da necropsia sobre o comportamento dos insurgentes na posse do brasileiro. No corpo, o engenheiro trazia sinais de maus-tratos, apesar de ter sido levado ferido. Além disso, descobriu-se que ele foi morto com um tiro na nuca provavelmente disparado por uma pistola calibre 9 mm, horas depois de ter sido atingido por um disparo de fuzil dentro do carro. A bala entrou no lado direito da parte posterior do crânio e saiu pelo maxilar, diz o laudo.

No exame, os legistas retiraram o outro projétil que feriu Vasconcellos Jr. - provavelmente de calibre 7,62 mm -, que estava alojado no intestino. Os peritos indicam que ele pode ter sido disparado por um fuzil de assalto AK-47 no ato do seqüestro. Numa interpretação que os médicos não fazem, o ferimento é compatível com a hipótese de o engenheiro ter sido ferido ao tentar se proteger jogando-se no banco do carro. Alojada no abdome, a bala provocou forte hemorragia, que levou à perda de pelo menos 30% do volume sanguíneo. Mas o que o matou foi o tiro na nuca. A decisão pode ter sido tomada para abreviar o sofrimento da vítima, diante da gravidade do ferimento, ou para facilitar a fuga do grupo, como acreditam os peritos.

"É de se supor (...) que houve um intervalo importante entre o ferimento por projétil disparado contra a região dorsal e o encontrado na região occipital. Salve melhor juízo, a vítima foi silenciada por este último tiro, na região da nuca. Portanto, a vítima foi morta horas após o seqüestro, talvez por ter-se tornado, pelo ferimento abdominal, fator impeditivo de rápido e discreto deslocamento de seus seqüestradores", diz o relatório. Os médicos comentaram com os que acompanhavam o exame que Vasconcellos Jr. pode ter ficado até 36 horas vivo em poder dos seqüestradores.

De acordo com os legistas, o corpo tinha indícios de que o engenheiro, mesmo ferido, sofreu maus-tratos no cativeiro. Havia sinais de hematomas e rasgos nas roupas que indicavam perfurações por arma branca ainda enquanto o engenheiros estava vivo. O exame dos órgãos indicou ainda que ele estava em jejum de 6 a 8 horas ao ser morto.

As conclusões do exame necroscópico só foram possíveis pela condição de semipreservação em que estava o corpo de Vasconcellos Jr., 29 meses depois do seu desaparecimento, o que surpreendeu os legistas. Eles identificaram a ocorrência do fenômeno de saponificação, característico de deposição do corpo em uma cova rasa num terreno argiloso e úmido.

O cadáver conservava as roupas que o engenheiro usava no dia do seqüestro, mas estava sem os sapatos. As mãos e os pés estavam atados por tiras de pano. As vestes, sujas de argila, mostravam-se franzidas no sentido da cabeça, o que foi interpretado pelos legistas como sinal de que o cadáver foi puxado até a cova. "As evidências de que o corpo foi arrastado pelos pés para o sepultamento em solo argiloso nos levam a concluir que esse procedimento ocorreu após o disparo na nuca", escreveram os peritos.

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