João José de Vasconcellos Jr., morto em 2005, recebeu um tiro na nuca até 36 horas após ação de seqüestro
Alexandre Rodrigues
O automóvel foi interceptado por um grupo terrorista e seguiu-se um tiroteio. Sentado do lado direito do banco traseiro, Vasconcellos Jr. abaixou-se. Foi atingido por uma bala de fuzil que lhe atravessou o dorso perto da axila direita e alojou-se no intestino. Mesmo ferido, o brasileiro foi capturado por seus seqüestradores ainda vivo.
Vasconcellos Jr. pode ter sobrevivido até 36 horas. No cativeiro, seus algozes decidiram executá-lo com um disparo na na nuca, possivelmente um tiro de misericórdia.
Um ano depois de o corpo do engenheiro da Norberto Odebrecht ter sido repatriado e sepultado em Juiz de Fora (MG), o Estado obteve o relatório de um exame necroscópico feito em sigilo - assim que ele chegou ao Brasil -, que esclarece pela primeira vez as circunstâncias da morte. O documento, assinado pelos legistas Francisco Américo Fernandes Neto e Fortunato Badan Palhares - que atuou no caso do assassinato de Paulo César Farias -, relata o exame feito no Instituto Médico-Legal de Campinas um dia antes do sepultamento.
A necropsia confirmou a hipótese mais comum durante os dois anos e meio de notícias desencontradas sobre o seqüestro, período entre a ação dos terroristas e a recuperação do corpo. As fotos da destruição do carro por balas de fuzil e os relatos do ataque ao comboio que transportava o engenheiro - que deixou dois guarda-costas britânicos e o motorista iraquiano mortos - confirmavam a tese de que ele tinha sido baleado. A exibição de documentos de Vasconcellos Jr. pelos rebeldes das Brigadas Mujahedin e Ansar al-Sunna, que reivindicaram a ação três dias depois na TV Al-Jazira, trouxe a esperança de que ele estivesse vivo. Pelo que atestam os legistas, naquela altura os terroristas já tinham executado o engenheiro.
Nos primeiros meses, a família, a Odebrecht e o Itamaraty lideraram uma série de manifestações públicas e apelos humanitários no Brasil e no exterior pela libertação de Vasconcellos Jr. Enquanto o País continuava sem notícias, contatos com grupos ligados aos insurgentes revelaram, já no primeiro ano, uma série de evidências que deixou claro para os envolvidos na operação que o engenheiro estava morto. A certeza veio com a devolução dos documentos exibidos na TV, o envio de uma mecha de cabelo e, por fim, um dedo que foi submetido a um exame de DNA. Então, foram desencadeados os esforços, cercados de segredo, para recuperar o corpo.
Há conclusões reveladoras no relatório da necropsia sobre o comportamento dos insurgentes na posse do brasileiro. No corpo, o engenheiro trazia sinais de maus-tratos, apesar de ter sido levado ferido. Além disso, descobriu-se que ele foi morto com um tiro na nuca provavelmente disparado por uma pistola calibre 9 mm, horas depois de ter sido atingido por um disparo de fuzil dentro do carro. A bala entrou no lado direito da parte posterior do crânio e saiu pelo maxilar, diz o laudo.
No exame, os legistas retiraram o outro projétil que feriu Vasconcellos Jr. - provavelmente de calibre 7,62 mm -, que estava alojado no intestino. Os peritos indicam que ele pode ter sido disparado por um fuzil de assalto AK-47 no ato do seqüestro. Numa interpretação que os médicos não fazem, o ferimento é compatível com a hipótese de o engenheiro ter sido ferido ao tentar se proteger jogando-se no banco do carro. Alojada no abdome, a bala provocou forte hemorragia, que levou à perda de pelo menos 30% do volume sanguíneo. Mas o que o matou foi o tiro na nuca. A decisão pode ter sido tomada para abreviar o sofrimento da vítima, diante da gravidade do ferimento, ou para facilitar a fuga do grupo, como acreditam os peritos.
"É de se supor (...) que houve um intervalo importante entre o ferimento por projétil disparado contra a região dorsal e o encontrado na região occipital. Salve melhor juízo, a vítima foi silenciada por este último tiro, na região da nuca. Portanto, a vítima foi morta horas após o seqüestro, talvez por ter-se tornado, pelo ferimento abdominal, fator impeditivo de rápido e discreto deslocamento de seus seqüestradores", diz o relatório. Os médicos comentaram com os que acompanhavam o exame que Vasconcellos Jr. pode ter ficado até 36 horas vivo em poder dos seqüestradores.
De acordo com os legistas, o corpo tinha indícios de que o engenheiro, mesmo ferido, sofreu maus-tratos no cativeiro. Havia sinais de hematomas e rasgos nas roupas que indicavam perfurações por arma branca ainda enquanto o engenheiros estava vivo. O exame dos órgãos indicou ainda que ele estava em jejum de 6 a 8 horas ao ser morto.
As conclusões do exame necroscópico só foram possíveis pela condição de semipreservação em que estava o corpo de Vasconcellos Jr., 29 meses depois do seu desaparecimento, o que surpreendeu os legistas. Eles identificaram a ocorrência do fenômeno de saponificação, característico de deposição do corpo em uma cova rasa num terreno argiloso e úmido.
O cadáver conservava as roupas que o engenheiro usava no dia do seqüestro, mas estava sem os sapatos. As mãos e os pés estavam atados por tiras de pano. As vestes, sujas de argila, mostravam-se franzidas no sentido da cabeça, o que foi interpretado pelos legistas como sinal de que o cadáver foi puxado até a cova. "As evidências de que o corpo foi arrastado pelos pés para o sepultamento em solo argiloso nos levam a concluir que esse procedimento ocorreu após o disparo na nuca", escreveram os peritos.
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