Pelo poder, Blatter faz concessões
Para ser reeleito nesta quarta, suíço promete reformas profundas. Mas crise é tão grande que há quem fale em Lula para o cargo
ZURIQUE - A Fifa enfrenta nesta quarta-feira seu momento mais crítico em 107 anos de existência. Joseph Blatter pode ser eleito para seu quarto mandato consecutivo. Mas, na maior crise de sua existência, a entidade enfrenta pressão de chefes de estado, patrocinadores e pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) por mudanças profundas.
O Estado obteve informações de que Blatter foi obrigado a passar a madrugada reunido com cartolas, fazendo concessões políticas e prometendo anunciar nesta quarta reformas e medidas de controle sobre a corrupção na Fifa. Isso tudo para tentar evitar um desastre diante de câmeras de todo o mundo.
Na terça-feira, o que era para ser uma festa na abertura do Congresso Anual da Fifa, com direito à banquete de luxo, se transformou em um palco de acusações contra os cartolas e até apelos para o adiamento das eleições.
O desespero da organização é tão grande que até o nome de Luiz Inácio Lula da Silva foi cogitado como alguém que poderia ser chamado para resgatar a credibilidade da Fifa. Pessoas ligadas à entidade afirmaram ao Estado que o ex-presidente brasileiro chegou a ser citado dentro do governo britânico como eventual solução para a crise.
Abalo. Blatter, que afastou seu único rival na corrida pela presidência, Mohamed Bin Hammam, abandonou o discurso de que não existe crise. Para ele, as bases do futebol estão "abaladas’’. Mas sua receita é de que a "família Fifa" deva se unir para superar as dificuldades. Unir-se em torno dele, claro.
"Pensei que vivíamos em um mundo de fair play.Infelizmente, vi que não é o caso. Porque a nossa pirâmide da Fifa tem incertezas em sua base e o futebol enfrenta ameaças", admitiu. Para esta quarta, Blatter prometeu anunciar medidas para voltar a unir o mundo do futebol, combater a corrupção e lidar com esses "perigos". "Temos de proteger o futebol", disse, em meio a aplausos hesitantes e cartolas sem graça.
Sua festa milionária, porém, se transformou em pesadelo. A Inglaterra e a Escócia pediram oficialmente o adiamento das eleições, enquanto pelo menos dez países asiáticos confirmaram que podem boicotar a votação, em represália à Blatter.
Exemplo do COI. Jacques Rogge, presidente do COI, pediu "humildade" na Fifa diante da crise e a comparou a situação aos escândalos de corrupção em sua entidade nos anos 90. "A Fifa está enfrentando alegações e controvérsias. Há anos, o COI também passou por isso. Mas saímos mais fortes com reformas internas. A humildade e reformas são as respostas", disse.
Um alerta ainda mais forte foi lançado pela presidente da Suíça, Micheline Calmy Rey. Em declarações ao Estado, advertiu que o país não quer sediar uma organização corrupta. Chegou a comparar a Fifa ao catennacio, sistema de jogo retranqueiro no futebol italiano. Sua alusão é de que a Fifa precisa ser mais aberta. "Não deixem que o dinheiro estrague o jogo", apelou. "Qualquer comportamento ilegal terá de ser combatido. Há a percepção de que há uma tolerância à corrupção na Fifa", disse.
A disputa pelo poder ganhou contornos trágicos quando o único rival de Blatter, Mohamed Bin Hammam foi suspenso do futebol sob alegações de que teria pago propinas em troca de votos. Nesta terça-feira, apresentou um recurso, que foi negado quase que imediatamente pela Fifa. Já Blatter passou a ser acusado de distribuir "presentes" e de ter negociado votos de maneira ilegal. Mas não foi punido e irritou a muitos.
Mas impedir o presidente de conquistar seu quarto mandato pode ser uma tarefa quase impossível. 156 países dos 208 membros da Fifa teriam de apoiar o adiamento das eleições. Na última terça, diversos peso-pesados do futebol mundial rejeitaram essa tese. " Por que é que vamos adiar?", questionou Michel Platini, presidente da Uefa. "Isso é só blablablá de jornalista."
Negociação. Para evitar o desastre, Blatter lançou nesta terça uma ofensiva política. Numa reunião da Uefa já à noite, federações nacionais se queixaram do dirigente, disseram fontes ao Estado. Mas estabeleceram como condição para apoiá-lo que ele criasse um grupo independente para investigar as alegações de corrupção. Blatter teria aceito.
Durante a noite, Blatter também prometeu dar mais poderes às federações nacionais para conseguir a liberação de jogadores para as seleções. Para acalmar os clubes, prometeu que irá desenvolver um calendário internacional mais "racional".
Aos patrocinadores, indicou que daria solução rápida à crise. Depois das críticas da Coca-Cola e Adidas, duas das maiores fontes de renda da entidade, ontem foi a vez da Emirates se queixar. "Estamos desapontados com os problemas que atualmente estão atingindo a administração do esporte’’, disse a empresa.
Mesmo com Blatter reeleito, cartolas entrevistados pelo Estado foram unânimes em afirmar: a organização chegou a uma encruzilhada e levará anos para restabelecer a credibilidade. "Nunca estivemos em crise tão profunda. A imagem está seriamente afetada", disse Jim Boyce, candidato a vice-presidente da Fifa e cartola da Irlanda do Norte.
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