BRASÍLIA - O faxineiro Edvaldo Félix Bezerra limpa banheiros no setor de transporte e garagem da Câmara dos Deputados. Entra às 7h e começa o dia sujando o polegar de tinta. Aos 53 anos, Edvaldo é analfabeto e preenche a folha de ponto com a impressão digital. Principal meta do Ministério da Educação (MEC) no início do governo Lula, a erradicação do analfabetismo está longe de virar realidade. Em seu oitavo ano, o programa Brasil Alfabetizado já gastou R$ 2 bilhões, em valores atualizados, e matriculou milhões de jovens e adultos. Mas o índice de iletrados, na faixa de 15 anos ou mais, caiu menos de dois pontos percentuais: de 11,6%, em 2003, para 9,7%, em 2009, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. (Leia também: Brasil tem 14,1 milhões de analfabetos, aponta IBGE )
O número absoluto de analfabetos está na casa de 14 milhões desde 2006, segundo a Pnad. No ano passado, eram 14,1 milhões. Até o fim de 2010, o Brasil Alfabetizado deverá atingir a marca de 14 milhões de matrículas, considerando-se a quantidade de alunos atendidos a cada ano. Em 2010, a previsão é atingir 2,2 milhões de jovens e adultos. A maioria das turmas, porém, só começará nos próximos meses, avançando sobre 2011.
Coincidentemente, o total de vagas oferecidas pelo Brasil Alfabetizado (14 milhões) está perto de igualar o número absoluto de iletrados. Ou seja, pode-se afirmar que o programa do MEC criou condições de atender um número equivalente ao de jovens e adultos analfabetos no país. Os dados da Pnad sugerem, porém, que a iniciativa não surtiu o efeito desejado.
Teste para aferir aprendizado só foi criado em 2009Outro problema é que o MEC desconhece a eficácia do Brasil Alfabetizado. Só em 2009 o ministério instituiu um teste para aferir a aprendizagem ao final do curso. Como o programa é realizado em parceria com governos estaduais e prefeituras, não é o MEC que aplica a avaliação. Além disso, cabe aos parceiros informar os resultados. E muitos deixam de fazer isso.
No ano passado, ao renovar as parcerias, o MEC cobrou informações sobre o desempenho das turmas de 2007, quando ainda não havia um teste padronizado. De 1,3 milhão de alunos supostamente atendidos naquele ano, pelo menos 927 mil teriam concluído o curso e 666 mil teriam sido alfabetizados, segundo as informações que chegaram ao MEC. Como nem todos os parceiros continuaram no programa, os resultados desses alunos não foram enviados.
O secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, André Lázaro, diz que a evasão no Brasil Alfabetizado gira em torno de 30%. Embora a Pnad informe que a idade média do analfabeto brasileiro era de 54 anos, o país tinha 5,4 milhões de iletrados com menos de 50 anos, em 2009. A maioria vivendo em áreas urbanas: 3,2 milhões nas cidades e 1,8 milhão no campo.
O faxineiro Edvaldo não é o único analfabeto no setor de transporte e garagem da Câmara. Raimundo Oliveira, de 53 anos, também usa o dedo para "assinar" o ponto. Ele abandonou a escola para servidores da Câmara. Edvaldo, que nasceu em Pesqueira (PE), conta que abandonou a escola ainda criança, pois não gostava de estudar e só queria trabalhar na roça:
- Me arrependi muito porque não estudei quando era novo. A pessoa que sabe ler conhece muita coisa e pode arrumar um serviço melhor - diz Edvaldo, que recebe R$ 600 por mês, somando salário e benefícios.
Até no MEC há analfabetos. Embora seja capaz de assinar o nome e, com algum esforço, ler até frases, Almir Alves Rodrigues, de 37 anos, está no limiar entre o analfabeto absoluto e o funcional, aquele que lê, mas não entende. Almir é faxineiro terceirizado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência do MEC responsável pela pós-graduação. Nascido no Distrito Federal, ele diz que terminou a 4 série do ensino fundamental, mas largou a escola para ajudar a mãe, trabalhando como vendedor de balas e engraxate.
- Sei ler muito pouco. O mais difícil são aquelas letras enganchadas - diz Almir.
O Brasil Alfabetizado não apareceu na propaganda eleitoral da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. O motivo é simples: o programa, que já foi reformulado uma vez, ainda não consegue funcionar direito. Até 2006, os convênios eram celebrados também com organizações não-governamentais. O MEC acabou com a parceria com ONGs, passando a firmar convênios apenas com prefeituras e governos estaduais.
Um dos objetivos era atrair professores da rede pública para atuarem como alfabetizadores. A meta era que, pelo menos 75% dos alfabetizadores fossem docentes. Segundo André Lázaro, porém, o percentual de professores gira em torno de 15%. Eles recebem R$ 250 por mês para dar quatro aulas por semana.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) foi ministro da Educação no primeiro ano do governo Lula e lançou o Brasil Alfabetizado. Ele critica a mudança de prioridade no MEC. No início de 2004, logo após a demissão de Cristovam, erradicar o analfabetismo deixou de ser meta do governo:
- O nível de analfabetismo no Brasil é uma dívida que continua depois dos governos de Fernando Henrique, de Lula e de 25 anos de democracia. Uma vergonha nacional - diz.
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