[Valid Atom 1.0]

sábado, 14 de agosto de 2010

Estelionato habitacional


Lotes para estelionatários
Autor(es): Saulo Araújo
Correio Braziliense - 13/08/2010

Pelo menos oito pessoas foram contempladas na lista da Codhab, mas não receberam os terrenos porque eles foram para as mãos de falsários. Golpe pode ter afetado mais gente.

Fotos: Iano Andrade/CB/D.A Press
Démerson Gomes afirma que a tia comprou um lote inexistente na área do Recanto das Emas que nem sequer é destinada à política habitacional

Decap, da Polícia Civil, analisa 2 mil cadastros de inscrições suspeitos de irregularidades

Endereço de falsa quadra foi marcado no tronco da árvore

Os desdobramentos da Operação Alfhein(1), deflagrada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público esta semana para apurar um suposto esquema de venda de lotes inexistentes no Distrito Federal, revelam que o número de pessoas que tiveram o sonho da casa própria frustrado pode ser bem maior. Ontem, os investigadores descobriram um novo golpe. Pelo menos oito pessoas com alta pontuação na lista da Companhia Habitacional do DF (Codhab) foram contempladas com lotes em Santa Maria, mas os terrenos acabaram nas mãos de estelionatários. A fraude veio à tona depois que agentes da Divisão Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap) começaram a analisar as cercas de 2 mil inscrições com suspeita de irregularidades. Os documentos foram apreendidos na quarta-feira última, na sede da Companhia, no Setor Comercial Sul, onde existem 360 mil cadastros do programa habitacional do GDF.

De acordo com os policiais, os estelionatários apresentavam uma documentação falsa se passando pelos verdadeiros beneficiados. Tudo teria sido feito com a conivência de servidores da Codhab, que seriam responsáveis por falsificar a assinatura de quem realmente deveria ser favorecido. Os funcionários do órgão também são acusados de enviar cartas de convocação dos lotes a endereços diferentes dos informados pelos legítimos candidatos. “A pessoa só percebia que tinha algo errado quando ia à Codhab verificar sua situação e era informado que já tinha sido contemplada”, afirmou o chefe da Decap, delegado Flamarion Vidal.

Ao receber o terreno indevidamente, o estelionatário logo o vendia por meio de uma procuração. Para o delegado que conduz o inquérito, o número de vítimas pode crescer. O chefe da Decap descarta a má-fé dos compradores. “Agora que começamos a avaliar todos os documentos apreendidos na operação é possível que existam outras situações como essa. As pessoas que compravam esses lotes dos estelionatários não sabiam que estavam adquirindo um bem de forma ilícita. Elas também são vítimas dessa fraude”, destacou. A delegacia investiga a participação de servidores, cooperativas e até mesmo dois distritais no esquema que lesou pelo menos mil famílias e teria movimentado R$ 9 milhões desde 2007.

Lotes fictícios
Por enquanto, a Polícia Civil e o MP não sabem se a quadrilha que aplicava o golpe é a mesma que vendia terrenos fantasmas em cidades carentes do DF. Na tarde de ontem, o Correio foi ao Recanto das Emas, onde cooperativas são acusadas de comercializar terrenos em quadras inexistentes, como a 117, que é identificada apenas com uma pintura no tronco de uma árvore. Na região administrativa, as quadras vão até o número 116. O lote prometido pelos líderes de cooperativas como um novo setor habitacional é uma área de cerrado que nem mesmo está destinada para fins habitacionais.

O corretor de planos de saúde Démerson Thiago Gomes, 25 anos, tem uma tia que desembolsou R$ 8 mil a uma cooperativa por um terreno no lugar. “Ela pagou mais de dois anos a uma cooperativa, mas nunca recebeu. Teve um dia que ela veio aqui e havia uns tratores cavando buracos. Ficou animada, achou que já estavam marcando os lotes, mas, na verdade, as máquinas estavam abrindo espaço para a construção de uma ciclovia”, contou o rapaz.

O espaço público fica ao lado do terminal rodoviário da cidade. Motoristas e cobradores que trabalham no lugar contam que quase todos os dias alguém aparece pedindo informações sobre a quadra inexistente. “As pessoas chegam aqui perguntando onde fica a quadra, com o documento do lote em mãos. Quando falamos que esse lugar não existe, elas ficam desanimadas, mas acham que o governo vai erguer algo ali, porque tem algumas árvores marcadas com endereços. Eu sempre desconfiei que isso era golpe”, contou um motorista, que não quis se identificar.


1 - Fantasia
Alfheim é o nome de um reino da mitologia nórdica, considerado a terra da fantasia. Daí surgiu a inspiração para batizar a operação deflagrada pela Polícia Civil do DF e Ministério Público do DF, pois os lotes vendidos por cooperativas tinha endereços.

Análise da notícia
Atraso de décadas

Terra é o bem mais valioso no Distrito Federal. Tanto que desperta a cobiça de criminosos e é o mote para atos ilegais os mais diversos. Convivemos há muito tempo com escândalos de grilagem, venda irregular de lotes, invasões às margens (ou mesmo dentro) de áreas de preservação ambiental, proliferação sem planejamento de condomínios etc. Por mais que se busque coibir esses problemas, o que temos visto é uma política do fato consumado, uma tentativa de regular ou minimizar os estragos. Até quando?

O absurdo mais recente é que funcionários da própria Codhab estão supostamente por trás de um esquema de golpes com lotes que deveriam ser destinados aos inscritos no programa habitacional do governo. A documentação de terrenos liberados, porém, era falsificada por estelionatários, que comercializavam o lote o mais rapidamente possível. Enquanto isso, gente honesta que espera na fila há anos continua sem seu pedaço de chão. Só agora, a Codhab vai encaminhar a lista dos beneficiados para o Ministério Público acompanhar a entrega e garantir a lisura do processo. A ação é positiva, mas trata-se, no mínimo, de um atraso de décadas.


Medidas em andamento
César Pessoa de Melo diz que denúncias começaram na gestão passada

O diretor-presidente da Codhab, César Pessoa de Melo, disse que as denúncias tiveram origem na gestão anterior. Ele assumiu o cargo em 26 de abril deste ano, 12 dias depois da deflagração da Operação João de Barro(1), que apura irregularidades no cadastramento de beneficiados no programa habitacional. Para tentar recuperar a arranhada imagem da Companhia, ele decidiu colocar em prática algumas ações. A primeira delas é que a lista de contemplados com lotes no DF passe pelo crivo do Ministério Público, o que já é previsto na Lei nº 3.877, de 26 de julho de 2006. A legislação prevê também que 40% das terras reservadas às políticas habitacionais sejam de responsabilidade da Codhab. Outros 40% ficam à disposição das cooperativas e 20% são destinados a atender casos considerados emergenciais.

Outra medida adotada foi exonerar 20 servidores, suspeitos de colaborarem com fraudes, que ocupavam cargos comissionados. No último dia 5, um estagiário teve o seu contrato com a Codhab rompido porque incluiu como contemplado de um terreno um parente que não atendia os requisitos exigidos. “A diretoria da Codhab abriu sindicância para apurar todas as supostas fraudes e os casos considerados mais graves foram encaminhamos à polícia e ao MP. A nova direção da Companhia está disposta a colaborar com as investigações e todas as ações tomadas desde que assumimos a gestão são para dar mais lisura ao trabalho desenvolvido aqui”, ressaltou César Pessoa.

Para o professor de Direito Civil da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em direito de propriedade Frederico Viegas, a legislação atual facilita fraudes. Na opinião dele, o governo não deveria dar tanto poder às cooperativas. “Não acho positivo deixar 40% dos terrenos nas mãos de cooperativas. Se o governo não quer assumir essa responsabilidade sozinho, que faça uma PPP (Parceria Público-Privada) com um grande grupo econômico. Esse sistema de cooperativismo na área imobiliária é falido, assistencialista e permicioso”, criticou.

O especialista também destaca que o Estado deve ressarcir as pessoas que foram lesadas imediatamente. “O governo não deve permitir que as pessoas prejudicadas procurem a Justiça, deve se antecipar a isso. Tem reconhecer o erro e assumir a responsabilidade de ressarcir os danos causados”, destacou o professor Frederico Viegas. (SA)


1 - Outra ação
A Polícia Civil desencadeou a Operação João de Barro no dia 14 de abril deste ano. Na ocasião, um servidor do GDF foi detido por envolvimento num esquema de favorecimento de policiais militares e bombeiros na lista da Codhab. Nesta nova operação, os acusados podem responder pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva e falsificação de documentos. Os servidores públicos responderão, também, por prevaricação.


PRESOS POR IGNORAREM A LEI
Três pessoas foram presas ontem na Colônia Agrícola Arniqueira por ergueram casas na área após a proibição da Justiça. Em dezembro de 2008, o juiz federal Alexadre Vidigal vetou as construções enquanto o setor não fosse regularizado. Mas alguns proprietários de terrenos ignoraram a determinação. As edificações irregulares, porém, estão com os dias contados desde ontem. Uma megaoperação composta por agentes da Agência de Fiscalização do DF (Agefis), da Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água (Sudesa), do Ministério Público, do Instituto Chico Mendes, das polícias Civil e Militar, além de representantes da Justiça Federal, percorreu os lotes onde as casas foram construídas recentemente. A Os presos foram levados para a Superintendência da Polícia Federal, que fica no Setor Policial Sul. Lá, eles assinaram um Termo de Compromisso e, em seguida, foram liberados.


๑۩۞۩๑๑۩۞۩๑๑۩۞۩๑๑۩۞۩๑๑۩۞۩๑


LAST

Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: