Sintram retém 15% do dinheiro destinado ao pagamento dos trabalhadores, prática considerada ilegal
Leandro Colon, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA- O governo federal pagou R$ 3,3 milhões nos últimos sete anos pelos serviços prestados por um sindicato de fachada que, em vez de representar os interesses dos trabalhadores, atua como empresa de terceirização de mão de obra.
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O dinheiro foi repassado pelo Ministério da Agricultura ao Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral (Sintram) da cidade de Montividiu, em Goiás.
A reportagem do Estado esteve sexta-feira na cidade de 9 mil habitantes e encontrou, no endereço fornecido pelo sindicato ao governo, um pequeno imóvel alugado de dois cômodos, sem placa de identificação, ao lado de um salão de beleza.
Neste domingo, 23, o Estado revelou que o País registra a abertura de um sindicato por dia. Sem fiscalização, a montagem das entidades virou um grande negócio em torno do imposto sindical, que movimenta R$ 2 bilhões por ano. No caso do Sintram, além de abocanhar um parte desse dinheiro, o sindicato fecha contratos com empresas agrícolas para fornecer mão de obra e retém 15% do dinheiro destinado ao pagamento dos trabalhadores, prática considerada ilegal pelo Ministério Público do Trabalho.
A região Centro-Oeste é a principal fonte de renda do Sintram, presidido por Djalma Domingos dos Santos, responsável pela montagem de uma rede de sindicatos em outras cidades de Goiás, além de Mato Grosso, Tocantins, Bahia e Distrito Federal. Em Brasília, o endereço fornecido pela entidade ao governo é fictício. Somente na região de Rio Verde (GO), o sindicato chega a faturar R$ 1 milhão com a retenção ilegal de parte do salário dos trabalhadores.
A unidade de Montividiu, que recebeu os R$ 3,3 milhões do Ministério da Agricultura desde 2004 - sendo R$ 708 mil só no ano passado - é alvo de um inquérito do Ministério Público pela suspeita de aliciamento de trabalhadores nordestinos, coação, condições precárias de trabalho e fraudes trabalhistas.
Segundo o Ministério da Agricultura, o pagamento ao Sintram foi feito por conta do serviço de carga e descarga de caminhões prestado para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
"O sindicato venceu um processo licitatório realizado", disse o superintendente-substituto da Conab em Goiás, Emil José Ferreira.
Prorrogação
O contrato já foi prorrogado quatro vezes. "Não sabíamos do processo", disse Ferreira ao ser questionado sobre a investigação do Ministério Público. "Agora que fomos informados, vamos avaliar o que fazer", afirmou. "Do ponto de vista da legislação (de licitação), está tudo certo".
Os pagamentos do Ministério da Agricultura ao sindicato ocorrem mensalmente. Eles só são efetuados após ser verificada a situação da empresa no Sistema de Cadastro, Arrecadação e Fiscalização (Sicafi) do governo federal. Ele informa se há dívidas na Receita Federal, no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), na Dívida Ativa da União e, no caso de uma prestadora de serviço, junto ao fisco municipal. "Não constam problemas lá", disse Emil.
A legislação sobre o setor de carregamento de mercadorias, atualizada no ano passado pelo Congresso, permite ao sindicato apenas "intermediar" a contratação dos chamados "trabalhadores avulsos". Mas não prevê contratos de prestação de serviços, nem retenção compulsória de parte dos salários. Além da investigação do Ministério Público do Trabalho, o presidente do sindicato responde ação penal por sonegação fiscal. Procurado pelo Estado, Djalma Domingos dos Santos afirmou: "Não tenho nada a dizer. É problema seu".