A posição brasileira de rejeitar novas sanções contra o Irã poderá ser posta em xeque caso a China decida apoiar as medidas, dizem analistas ouvidos pela BBC Brasil.
"Se a China concordar com novas sanções, isso vai mostrar que as grandes potências mundiais estão preocupadas com a questão nuclear do Irã", diz Mauricio Cárdenas, diretor da Iniciativa para a América Latina do Instituto Brookings, de Washington.
"E ignorar esse fato não é a direção correta a ser tomada por um país que deseja ser uma potência global", afirma.
A questão nuclear iraniana deverá estar no centro dos debates a partir desta segunda-feira, quando representantes de 47 países, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participarão da Cúpula sobre Segurança Nuclear organizada pelo governo americano em Washington.
Até o momento, Brasil e China têm adotado discursos semelhantes sobre o assunto, com manifestações contrárias à imposição de uma quarta rodada de sanções da ONU contra o Irã e com a defesa do diálogo como melhor caminho.
Nas últimas semanas, porém, Pequim vem dando sinais de que poderia mudar sua posição.
O governo chinês já aceitou "discutir" a questão das sanções e, na última quinta-feira, enviou um representante a uma reunião entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha para debater o tema.
"O Brasil talvez tenha de acabar apoiando as sanções se a China assim o fizer", diz Alireza Nader, especialista em Irã da Rand Corporation.
Conselho de Segurança
A China é um membro permanente do Conselho de Segurança, ao lado de Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, e por isso tem poder de veto sobre as resoluções do órgão.
O Brasil também integra o conselho, mas com uma vaga rotativa, sem poder de vetar as resoluções. O governo brasileiro, porém, deseja obter no futuro uma vaga permanente.
Em uma questão que diz respeito a toda a comunidade internacional, discordar não é sinal de independência. É sinal de que o Brasil não entendeu os riscos.
Mauricio Cárdenas, Iniciativa para a Am. Latina, Instituto Brookings
A Rússia, outro membro permanente que também era contrário a novas sanções contra o Irã, recentemente manifestou seu apoio às medidas.
Os Estados Unidos e outros aliados pressionam por uma quarta rodada de sanções por causa da recusa do governo iraniano em interromper seu programa de enriquecimento de urânio.
Esses países temem que o Irã esteja trabalhando secretamente para fabricar armas nucleares. O governo iraniano nega essas alegações e diz que seu programa é pacífico.
As três rodadas de sanções anteriores já aprovadas pelo Conselho de Segurança se mostraram até agora pouco eficazes em pressionar Teerã a interromper seu programa nuclear.
As novas sanções em discussão, segundo especialistas, seriam direcionadas a empresas ligadas à Guarda Revolucionária do Irã, que controlam negócios domésticos e no Exterior.
Depois que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança chegarem a um acordo sobre uma nova rodada de sanções, a proposta de resolução é levada a votação, com a participação dos outros dez membros com vagas rotativas.
Além do Brasil, Turquia e Líbano também têm se manifestado contrários a novas sanções e favoráveis a insistir no diálogo com Teerã.
Imagem
"Em geral, a posição do Brasil não seria crucial. Mas o Brasil é o único país com uma boa reputação global, considerado um 'bom cidadão global', que parece apoiar o Irã neste momento", diz o presidente emérito do instituto de análise política Inter-American Dialogue, Peter Hakim.
O analista afirma que não se deve esperar que o Brasil mude de posição de uma hora para outra, caso a China resolva apoiar as sanções.
"Mas vai ter que mudar em algum momento. Ou não vai ser levado a sério", diz Hakim.
O Brasil recebeu o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em novembro passado. No próximo mês, o presidente Lula deverá retribuir a visita.
Segundo Hakim, ao contrário da China, o Brasil, além de se manifestar contra as sanções e a favor do diálogo com o governo iraniano, também demonstra não acreditar que o Irã busque desenvolver armas nucleares, e está disposto a dar ao governo iraniano o benefício da dúvida.
"Agindo assim, o Brasil dá a impressão de estar desconectado dos fatos. Sugere que considera o Irã um cidadão internacional perfeitamente responsável. Dá a impressão de não estar totalmente informado sobre o papel do Irã no Oriente Médio", diz Hakim.
Mauricio Cárdenas afirma que a imagem do Brasil poderia ser arranhada caso o país insista em apoiar o Irã.
"Em uma questão que diz respeito a toda a comunidade internacional, discordar não é sinal de independência. É sinal de que o Brasil não entendeu os riscos", diz o analista do Brookings.
Cúpula
A programação oficial da Cúpula de Segurança Nuclear prevê plenárias e discussões sobre a cooperação internacional para evitar o terrorismo nuclear.
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Segundo a Casa Branca, os países vão discutir medidas conjuntas e individuais e buscar um plano de ação sobre o tema.
A questão iraniana não aparece na agenda oficial, mas deverá movimentar os encontros bilaterais previstos para os dois dias do encontro.
O presidente americano, Barack Obama, vem mantendo uma série de discussões bilaterais desde domingo. Nesta segunda-feira, uma de suas reuniões será com o presidente da China, Hu Jintao.
A cúpula ocorre no momento em que a questão nuclear ocupa espaço de destaque na agenda política de Obama.
Na semana passada o presidente americano apresentou uma nova estratégia de defesa que restringe o uso de suas armas nucleares, embora o entendimento da estratégia possa abrir uma exceção para o Irã e a Coreia do Norte. Também assinou com a Rússia um acordo bilateral de redução dos arsenais nucleares dos dois países, o principal tratado do tipo em 20 anos.
O presidente Lula não tem encontros bilaterais previstos com Obama. Entre as reuniões privadas já confirmadas, estão encontros com os líderes da Itália, Turquia, Japão, Canadá e França.
O programa nuclear brasileiro também estará em pauta em maio, quando ocorre em Nova York a conferência de revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.