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terça-feira, 12 de maio de 2009

Vagas de garagem em condomínios




Paulo Gustavo Sampaio Andrade

advogado em Teresina (PI), especialista em Direito Constitucional


Para quem gosta de números, aqui vai um bom motivo para continuar lendo este ensaio. 25% dos julgados a respeito de condomínios se referem a um único assunto: garagem. E não é difícil descobrir a razão. Trata-se de um tema que comporta várias possibilidades e posicionamentos. A sua regulamentação é escassa, baseada
em grande parte em construções doutrinárias e jurisprudenciais. A Lei 4591/64, que regulamenta os condomínios em edificações, foi promulgada, depois de sofrer cortes e vetos, sem conter qualquer disciplina atinente a garagem. Só com a Lei 4864/65 é que foram acrescentados três parágrafos ao art. 2º daquela Lei, regendo o assunto.


O condomínio em edifícios é formado por dois elementos: as unidades autônomas e a área comum. O termo “unidade autônoma” compreende qualquer unidade habitacional (apartamento, flat, chalé etc.) ou profissional (sala, loja, escritório, conjunto etc.) É o elemento principal, objeto de propriedade exclusiva. Já a área comum (alicerces, hall de entrada, portaria, jardins, escadas, corredores etc.) é considerada acessório da unidade autônoma, e objeto de co-propriedade. Cada condômino tem uma fração ideal da área comum, na medida de sua unidade autônoma. É vedado o uso exclusivo de áreas comuns por um só dos condôminos (cf. art. 3º, in fine).



A REGRA: GARAGEM COMO PROPRIEDADE EXCLUSIVA ACESSÓRIA

A vaga de garagem não se encaixa nem como área comum nem como unidade autônoma. É um tertium genus. Vejamos o §1º do referido art. 2º, um dos três acrescidos pela Lei 4864:

"O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno."

Observe-se que a lei não se refere à vaga de garagem em si, mas ao “direito à guarda do veículo nas garagens”. É uma relação de continente e conteúdo. Em vez de se referir ao objeto da propriedade, a lei fala em uma das faculdades implícitas no direito. Não é motivo para considerar o direito à garagem como mero direito real de uso. Isto identificaria a garagem com uma parte comum, concedida para uso exclusivo a um condômino, o que conflitaria com a vedação da utilização exclusiva das partes comuns por qualquer condômino. Forçoso é admitir o direito à garagem como um direito de propriedade exclusiva, embora limitado por restrições típicas do condomínio.

A garagem, assim, é objeto de propriedade exclusiva (assim como é a unidade autônoma), mas acessória da unidade autônoma (tal como a fração ideal da coisa comum).

Caio Mário da Silva Pereira, autor do anteprojeto da Lei 4591, criticou a idéia de que um bem restrito pelo caráter da acessoriedade seja objeto de exclusividade. Com a devida venia, entendemos serem estes caracteres independentes entre si. É certo que, na acepção em que a estamos analisando, a garagem não tem registro imobiliário próprio, mas é impossível entendê-la como propriedade comum. As restrições na sua utilização se devem à sua natureza de parte integrante de um edifício condominial.

A garagem, assim vista, não pode ser alienada separadamente da unidade a estranhos ao condomínio. A ratio é simples: como é acessório, a que não cabe fração ideal, o estranho que a adquirisse ficaria sem fração ideal; logo, numa posição sem direitos nem deveres, incompatível com a idéia de condomínio. Nada impede, porém, que a garagem seja alugada ou cedida a estranhos (desde que a Convenção não proíba), pois aí não há transferência de propriedade.

Seguindo o mesmo raciocínio, a alienação da garagem a outro condômino é perfeitamente possível. Há apenas a transferência de um acessório de uma unidade para outra. O mesmo ocorre com o condômino que vende a sua unidade autônoma, fazendo reserva da garagem para si, desde que tenha outra unidade autônoma no mesmo edifício, a que se adere a garagem reservada. Vejamos o que diz o art. 2º, §2º, da Lei:

"O direito de que trata o §1º deste artigo poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada a sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio."

É indispensável, porém, que estas alterações sejam averbadas nas escrituras das unidades. Por outro lado, se um condômino, ao alienar sua unidade autônoma, não inclui nem exclui a garagem na escritura de transferência, entende-se esta como incluída, por força da regra de que “o acessório segue o principal”.

A Convenção de Condomínio é o instrumento hábil para fazer a demarcação das vagas na garagem (art. 9º, §3º, a), incluindo seus acessos e especificação de vagas para carros grandes e pequenos. Outro modo é por assembléia geral extraordinária, em deliberação unânime dos condôminos, alterando a Convenção ou o Regimento interno, que deve ser levada a registro imobiliário para valer contra terceiros. A simples ocupação das melhores vagas pelos primeiros habitantes ou a atribuição de vagas por ato do síndico não tem nenhum efeito jurídico.



EXCEÇÃO 1: GARAGEM COMO PROPRIEDADE EXCLUSIVA PRINCIPAL

Há, contudo, casos em que a garagem não é o acessório, mas o principal. Um deles é o do edifício-garagem, onde a própria garagem é a unidade autônoma, com registro imobiliário próprio, visto que não há apartamento, sala, etc. a que corresponda. É o que decorre da interpretação a contrario sensu do supracitado §1º, in fine: a vaga de garagem a que não corresponda uma unidade autônoma terá uma fração ideal própria. O §3º do mesmo artigo não deixa dúvidas:

"Nos edifícios-garagens, às vagas serão atribuídas frações ideais de terreno específicas."

O outro caso é o dos edifícios mistos de garagens e unidades profissionais e habitacionais. Comuns nos grandes centros urbanos, nestes prédios há, por decisão do instituidor, dois condomínios independentes entre si. Um funciona como edifício-garagem; o outro é um condomínio de unidades residenciais ou comerciais, desprovido de garagens. Desta forma, p.ex., pode-se adquirir um escritório sem comprar uma garagem, ou comprando três delas. Para o escritório, haverá uma parte comum correspondente; para a garagem, também. Cada um destes tem registro imobiliário próprio.

Em ambos os casos, a garagem é livremente alienável a condôminos ou a terceiros, dado o seu caráter de principal.



EXCEÇÃO 2: GARAGEM COMO ÁREA COMUM

Nos edifícios em que há menos vagas que unidades autônomas, é possível que a Convenção determine que a área da garagem seja comum. A cada hora, quem encontrar vaga para seu veículo, pode estacioná-lo. Admite-se, porém, a reintegração de posse se, por longos anos, somente os mesmos condôminos vêm usando as vagas.

Sendo área comum, é vedada sua alienação a estranhos. Além disso, devido à indeterminação sobre qual é a vaga alienada, o alheamento se estenderia a toda a superfície da garagem — e o sistema brasileiro não admite o direito de superfície.

Também não cabe o usucapião da garagem comum por um dos condôminos, por força da vedação à utilização exclusiva da área comum por um condômino (art. 3º, in fine). Todavia, cremos que nada impede o usucapião por estranhos, transformando esta garagem em propriedade exclusiva independente do edifício em condomínio.

Em alguns edifícios, a área dos pilotis (pilares de sustentação da base do edifício) é definida como sendo comum. Mas é lícito que, pela Convenção ou pela anuência de todos os condôminos, seja destinada para garagem de alguns deles. Pode-se convencionar que os beneficiados paguem aluguel ao condomínio.

Não é admissível que se considere de uso comum a garagem em condições de abrigar automóveis em número correspondente ao dos condôminos, se ela não é expressamente incluída nem excluída da propriedade exclusiva no contrato.



GARAGEM COMO
PROPRIEDADE EXCLUSIVA ACESSÓRIA PRIVILEGIADA

Sendo insuficientes as vagas, outra solução é que a Convenção estabeleça um método (sorteio ou acordo), pelo qual alguns dos condôminos ficam com estas vagas. O direito à garagem é um privilégio, a que deve corresponder um encargo: um acréscimo na fração ideal.

Esta não é mais uma exceção, mas uma confirmação da regra geral pela qual a garagem é propriedade exclusiva e acessória da unidade autônoma, embora neste caso seja um privilégio de apenas alguns dos condôminos.

Trata-se de hipótese distinta da do condomínio misto. A garagem aqui é acessório, sem registro próprio, e não principal. Aqui, não cabe falar em alienação da garagem a estranhos, pois esta não representa uma fração própria, mas um acréscimo na fração da unidade a que corresponde. Além disso, seria um contra-senso alienar a garagem a terceiros se estas não bastam nem aos condôminos.




CONCLUSÃO

O problema da garagem é multifacetado. Normalmente, a vaga de garagem em condomínios é um acessório da unidade autônoma e é objeto de propriedade exclusiva do condômino. Porém, nos edifícios-garagem e nos mistos, a garagem pode ser a própria unidade autônoma, caso em que é o bem principal. Em edifícios com menos vagas que unidades autônomas, a Convenção pode estabelecer que a área destinada a estacionamento não pertença a nenhum dos condôminos em particular, mas a todos como área comum.
O assunto, na verdade, nada tem de complicado. As situações possíveis são bem caracterizadas e definidas. Os julgados sobre o tema são muitos, mas de uma notável uniformidade de diretrizes. Ou seja: o assunto em si não deixa margem a dúvidas.Contudo, a redação dos dispositivos lega

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