COLUNISTAS
Ou: 'Geni e o Zepelin'
25/04/2009 10:25
A maioria dos parlamentares não vê problema algum em usar dinheiro público para passear com a família no exterior, pagar a conta de telefone celular dos filhos ou abrigar parentes e empregados domésticos nos gabinetes. Um grupo - felizmente menor - ainda se permite acrescentar ao rol de facilidades a de contratar fantasmas, embolsar parte do salário dos funcionários e até receber propina. Não é de agora que deputados e senadores confundem o público com o privado.
Em fevereiro passado, o deputado Michel Temer e o senador José Sarney, dois veteranos e profundos conhecedores do que há de bom e de ruim no Congresso, tomaram posse nas presidências da Câmara e do Senado com promessas de moralização. Mas o que aconteceu na prática foi exatamente o contrário.
Nos últimos três meses, o Congresso não votou nada de importante e submergiu na maior crise ética de sua história. Na semana passada, a imagem do Legislativo bateu no fundo do poço. A troça com dinheiro público em benefício pessoal atingiu igualmente deputados e senadores, oposicionistas e governistas, éticos e fisiológicos, veteranos e iniciantes, figuras do alto e do baixo clero. Em entrevista publicada na edição passada de VEJA, ao explicar o caso do deputado Fábio Faria - que levou a namorada Adriane Galisteu para um passeio aos Estados Unidos por conta do erário -, Michel Temer disse que o caso não passava de um "equívoco de A, B ou C" em meio a um "comportamento correto da maioria dos parlamentares". Não era.
A malandragem envolvia o abecedário completo, do A de Agaciel Maia, o ex-diretor-geral do Senado, passando pelo C de Ciro Gomes, pelo F de Fernando Gabeira, atingindo o M de Michel Temer e terminando com o Z de Zé Geraldo. Mais da metade dos deputados, assim como o galã Fábio Faria, usou passagens aéreas da Câmara para fazer turismo no exterior com namoradas, esposas, filhos e amigos.
A vida de um parlamentar é recheada de benefícios que não passam de sonho para um cidadão comum, mesmo para aqueles com bons empregos e altos salários. "O Congresso hoje é um ambiente ruim, sem transparência, com muitas benesses e pouca produção", avalia o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos. Segundo uma pesquisa do instituto Datafolha, 37% dos brasileiros consideram a atuação dos parlamentares péssima, enquanto apenas 16% acham boa.
Ineficiência - Descontada a indecorosa descompostura de seus integrantes, o apequenamento institucional do Congresso é um risco para o país. Na última década, enquanto os parlamentares degeneram numa espiral de escândalos que vai da roubalheira pesada ao fisiologismo explícito, sua função legisladora vem sendo realizada na prática pelo Executivo e o Judiciário. Atualmente, quase todos os debates relevantes, com repercussão real na vida dos cidadãos comuns, são decididos pelo Judiciário. Do uso científico de células-tronco ao casamento homossexual, passando pelo fim do uso abusivo de algemas, tudo tem de ser definido pelos 11 togados do Supremo Tribunal Federal por absoluta negligência dos congressistas.
Em vez de legislar, tarefa para a qual são remunerados, os parlamentares gastam dias discutindo se suas esposas podem ou não viajar com dinheiro público. Nos Estados Unidos, os congressistas têm suas passagens reembolsadas quando voam de Washington para as cidades onde são votados ou quando estão em missões oficiais aprovadas pela mesa da casa - mesmo assim pagam do próprio bolso despesas de refeição e hospedagem. Viagens que envolvam participações em eventos partidários, empresariais ou políticos não são reembolsadas, mesmo se seguidas ou precedidas por missões oficiais. Tudo claro, sem espaço para interpretações, publicado no site do Congresso.
Democracia - Desvios éticos como no caso das passagens e reações intempestivas e tolas de alguns parlamentares produzem ideias nocivas à democracia, como a inutilidade do Legislativo. "A mediocridade de seus membros não pode contaminar a instituição", alerta Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A ausência do Congresso leva obrigatoriamente a um regime autoritário e autocrático. O Legislativo é uma instituição fundamental para a mediação do cidadão com o estado. É o único dos três Poderes integralmente eleito em todos os níveis. O filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004) escreveu que pode haver Congresso sem que haja democracia, mas não pode haver democracia sem Congresso.
Leia a reportagem completa em VEJA desta semana (na íntegra exclusivo para assinantes).
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