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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Lucas Mendes: Arroz, feijão e chumbo


Lucas Mendes em ilustração de Baptistão

Das poucas vezes que passei por Patchogue, a uma hora e meia de Nova York, pensava em pata choca, mas é só uma conexão de sonoridade.

Patchogue é um destas pequenas, antigas e charmosas cidades de Long Island, à beira-mar, sem maiores distinções. Foi tema de um romance - Going to Patchogue, de Thomas McGonigle - na década de noventa, e onde morou o sobrinho e ultimo descendente de Hitler, William Patrick Hitler.

Nos últimos 20 anos, Patchogue cresceu, prosperou e atraiu milhares de latinos de vários países. Hoje representam 24% dos quase 12 mil habitantes. Em 1990, eram pouco mais do que 10%.

Há três semanas, Patchogue está em destaque nos noticiários porque foi cenário de um crime inédito na região: assassinato por ódio racial.

A vítima foi Marcelo Lucero, um trabalhador equatoriano, de 37 anos, sem nenhum antecedente de crime ou violência. Veio para os Estados Unidos há 18 anos para sustentar a mãe, Rosario, que tinha câncer. Ele trabalhava numa lavanderia e dividia um quarto com outros latinos, inclusive um irmão.

Os suspeitos são sete, mas o autor da facada fatal foi Jeffrey Conroy, de 17 anos, um atleta querido na escola onde se destacava nos times de futebol, luta livre e lacrosse.

Há um outro esporte favorito entre os jovens de Patchogue: caçar latinos, "beaner hunting" ou "beaner jumping", é a expressão que eles usam.

"Beaners" é o apelido dos latinos, porque comem arroz com feijão. Os jovens disparam armas de ar comprimido quando os latinos estão saindo de suas casas para o trabalho. Ou cercam e espancam suas vítimas.

Naquela madrugada do dia 8 de novembro, dois deles já tinham enchido Marlon Garcia de chumbinhos. À noite, Jeffrey Conroy e seis amigos bebiam cerveja num parque e decidiram sair para mais uma caçada. Pouco antes de meia-noite encontraram duas vítimas: Angel Loja e Marcelo Lucero.

Depois de levar muita pancada, Angel conseguiu escapar, mas Marcelo, cercado, decidiu se defender com o cinto. Jeffrey Conroy levou uma fivelada. Enfurecido puxou uma faca e enfiou no peito de Marcelo. A polícia, alertada por Angel, em poucos minutos prendeu os sete, mas já era tarde para Marcelo.

No mesmo dia que o corpo dele estava chegando no vilarejo de Gualeceo, no Equador, os sete jovens estavam algemados diante de um juiz. Todos se declaram inocentes, mas o juiz estabeleceu fiança de 500 mil dólares para cinco e negou fiança para Jeffrey Conroy e outro que estava solto sob fiança.

O crime é ainda mais chocante porque dois dos seis agressores são latinos e Jeffrey Conroy tem amigos de varias etnias. Colegas de escola, latinos e negros, se referem a ele com afeto, admiração e até gratidão. O pai dele, aposentado, e também muito querido, criou clubes na cidade para incentivar a aproximação de jovens.

Neste momento milhares de latinos estão a caminho de volta aos seus países de origem por falta de emprego, perseguição da imigração ou violência como a de Patchogue, mas neste caso a morte de Marcelo pode representar o fim das hostilidades aos latinos.

O crime sacudiu não só a cidade como toda região. Long Island, com uma população de sete milhões e meio, quase igual à de Nova York, é a maior ilha do país e a 17ª maior do mundo. Além de ser dormitório de milhões de empregados de Manhattan, é famosa pela sua história, suas casas de praia milionárias - os Hamptons- suas assombrações e crimes, mas pela primeira vez, em quase 400 anos, alguém é indiciado por assassinato racial. Jeffrey Conroy talvez nunca mais saia da prisão.

Marcelo pagou com a vida e milhares de latinos sofreram, mas daqui por diante o arroz com feijão virá sem chumbo.

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