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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Capitu é um luxo

Luiz Fernando Carvalho imprime o seu estilo sofisticado à minissérie baseada no romance Dom Casmurro

Francisco Alves Filho

Numa tarde ensolarada, o diretor Luiz Fernando Carvalho recebeu em sua casa, na Gávea, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, o autor teatral e ator Michel Melamed. Depois de um caloroso cumprimento, Melamed notou que o amigo escondia algo às suas costas. Assim que entrou na sala, Carvalho revelou o mistério: mostrou a ele o livro Dom Casmurro, de Machado de Assis. “E aí? Vamos fazer?”, disse o diretor. Começava ali, num papo que durou cinco horas, o projeto de levar à tevê o principal romance do escritor brasileiro que é considerado o maior de todos os tempos. Mais de um ano depois, o resultado dessa ousadia vai ao ar a partir de terça-feira 9, na minissérie Capitu, da Rede Globo. Sem o compromisso de bater recordes de audiência e acostumado a desafios, Carvalho encara, dessa vez, a mais enigmática personagem da nossa literatura, a mulher de “olhos de ressaca” cujo grande segredo reside em sua suposta traição ao marido, o protagonista Bentinho. Mas sobre um ponto não há dúvida nenhuma: a nova minissérie vai mostrar mais uma vez as imagens luxuosas e sofisticadas que se tornaram marca registrada de Carvalho, conhecido por realizações como Os Maias e Hoje é dia de Maria.

MILAGRE VISUAL Mesmo com um orçamento reduzido, Carvalho consegue dar um clima operístico a Capitu, como na cena do baile (acima), rodada no Automóvel Club do Rio de Janeiro. Maria Fernanda (à esq.) confere sensualidade à personagem adulta. Na juventude ela é vivida por Letícia

Quatro atores vão interpretar os dois personagens principais. Na juventude, Capitu e Bentinho serão vividos por dois novatos, Letícia Persiles e César Cardadeiro. Na maturidade, eles cederão a vez a Maria Fernanda Cândido e Melamed, que será também o narrador. O ator trabalha na televisão pela primeira vez e encantou-se com o clima instaurado no set de gravação. “O que aconteceu ali foi um congresso de magos e ilusionistas”, diz ele. “O Luiz Fernando é, na verdade, um cupido. Ele flecha as pessoas e faz todos trabalharem com paixão.” Graças ao tratamento um tanto operístico dado ao enredo, foi possível desenvolver a trama num espaço único e praticamente todas as cenas foram gravadas no antigo prédio do Automóvel Club do Brasil, no centro do Rio, quase em ruínas. Foi essa a forma que o diretor encontrou para driblar as dificuldades do orçamento, mais enxuto que o esperado. O resultado, contudo, salta aos olhos. O universo lúdico que Carvalho costuma construir acabou servindo como estratégia nesses tempos bicudos. “Machado dizia: ‘A realidade é boa, o realismo é que não presta para nada’. Então, de certa forma, segui esse caminho”, explica.
Para abordar a história, o diretor optou por focar a mulher mítica do livro, a começar pelo título. “Assim, a idéia de uma tentativa de aproximação com o romance fica ainda mais clara. Não se trata apenas de uma transposição de um suporte para outro, mas sim de um diálogo com a obra original”, diz. Estabelecida a abordagem, ele manteve o conhecido esmero na direção dos atores. Os figurinos e cenários artesanais e a iluminação cuidadosa dão o toque final – mas estão longe de ser um mero complemento. Nas roupas, foram utilizados recursos teatrais, como na batina de Escobar, amigo de Bentinho, feita com diâmetro maior para tornar os movimentos tão sedutores quanto pareciam ao menino. Os vestidos de Capitu foram desenhados de forma a sugerirem “ondas do mar” e, para isso, suas anáguas são feitas de tecidos luminosos e transparentes. A equipe de cenografia revestiu paredes e colunas do antigo prédio com camadas de papel e o chão foi pintado de preto, como uma lousa das salas de aula. Dessa forma, os poucos ambientes do salão se multiplicaram.
Tanto nas roupas quanto nos acessórios, elementos modernos estarão presentes – como um aparelho de MP3. “A linguagem de Machado está bem à frente e bem viva”, diz Carvalho, para explicar a inserção de elementos contemporâneos. “Muitas vezes fiquei pensando no prazer que o ‘Bruxo’ estaria sentindo ao ver seu texto renascendo lá na frente, com outras coordenadas estéticas, mas com a mesma síntese.” A trilha sonora terá música clássica, mas também rock de grupos internacionais, como Beirut, e nacionais, como o Manacá, no qual, aliás, Carvalho foi encontrar Letícia Persiles para viver Capitu. “O Luiz Fernando leu uma reportagem sobre mim, viu um show da banda e fez o convite”, diz ela, que há 12 anos é atriz de teatro e tem os famosos “olhos de ressaca”. O diretor descreve a sensação de vê-la no palco: “Fiquei alerta: de súbito, ela se tornou visível com seus olhos eclipsados entre o fogo e o mar. Era ela.” O elenco terá outros novatos e a atriz mais experiente do grupo é Eliane Giardini, que viverá a mãe de Bentinho. Em nome dos atores, Melamed descreve a experiência: “Se pelo menos 1% do encantamento que vivemos na gravação passar para os telespectadores, estarei satisfeito.”

CURIOSIDADES DE CAPITU, A SÉRIE
Luiz Fernando Carvalho escolheu a atriz Letícia Persiles depois de vê-la cantando na banda de rock Manacá
O volume dos vestidos de Capitu se expande em novas cores através de efeitos especiais Sua saia tem quatro metros de diâmetro
A trilha sonora mistura músicas clássicas a rocks, como o da banda Beirut
Devido a uma redução no orçamento, o diretor adaptou o universo de Bentinho ao prédio do Automóvel Club do Brasil, no centro do Rio. Toda a ação se desenrola ali

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