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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Fantástico percorre hospitais do Brasil e encontra UTI sem médicos #SUS #FIFA #BRAZIL #DILMA #PT #LULA



Oitenta e um por cento dos 116 hospitais visitados pelo Tribunal de Contas da União estão inadequados, revela relatório. 

O Fantástico deste domingo mostrou o resultado de um estudo inédito para entender o que há de errado na saúde brasileira. Pela primeira vez, o Tribunal de Contas da União examinou a qualidade do atendimento em 116 hospitais públicos, os mais procurados pela população em todo o país. O resultado é assustador.
É assim que a saúde pública tem tratado seus pacientes.
“Eu estou com dor, desde cedo. Estou aqui desde 9h30 da manhã e até agora nada”, disse uma paciente.
Faltam enfermeiros e médicos.
“Como é que não tem pediatra num hospital desses, para atender uma criança no hospital, desmaiando?”, questiona outra paciente.
“Não tem médico na UTI. São vários plantões em que não há medico na UTI”.
Faltam equipamentos para exames. E faltam remédios.
Fantástico: E quando não tem o antibiótico, como faz?
Médico: Você conhece o "seguro senhor do Bonfim"? A gente amarra uma fita do lado e vai.
Os repórteres do Fantástico foram aos hospitais para conferir o resultado de um relatório recente do Tribunal de Contas da União sobre a saúde brasileira e confirmaram: falta quase tudo na rede pública e sobra desorganização.
No Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, encontramos Dona Alaíde, de 62 anos. Ela tinha no cérebro dois aneurismas - que é quando um vaso sanguíneo incha muito. Ele pode estourar e provocar uma hemorragia. Um deles já tinha se rompido e ela quase não conseguia falar.
“Dá pra dar todo dia a dor”, desabafa Dona Alaíde. 
O repórter Eduardo Faustini acompanhou a luta de Dona Alaíde em busca de tratamento.
Fantástico: Ela está com aneurisma?
Elaine da Silva, filha de Dona Alaíde: Isso
Fantástico: Há quanto tempo?
Elaine: Desde o dia 12 de abril.
Fantástico: Dia 12?
Elaine: Isso, de abril.
O caso é muito grave.  No relatório médico, do dia 22 de abril, o médico alerta para o risco de morte. Duas semanas depois, repete o aviso, desta vez em letras garrafais. Dona Alaíde pode morrer. A esperança é uma cirurgia.
A filha conseguiu na Justiça uma decisão liminar que obriga o hospital a realizar o tratamento.
“Entramos com a liminar, no centro de regulação já foi liberado, mas no Hospital Geral, o Estado não está pagando, então é uma situação muito difícil”, disse a filha Elaine.
Esta é uma situação comum em Cuiabá e em vários outros pontos do Brasil. Muitos pacientes só conseguem tratamentos por força de liminares, mas nem todos. Mesmo com uma decisão judicial na mão, essa mulher não conseguiu uma cirurgia para a mãe, que está com uma veia entupida na perna.
“Ela pode perder a perna. Tem vezes que ela toma até três morfinas por noite. E o médico falou que é perigoso tomar muita morfina e o coração não aguentar”, contou Perpétua Socorro, filha de dona Aparecida.
“Essa liminar foi dada dia 22 que o juiz determinou fazer a cirurgia, de abril. Está até aqui, está citando que o Estado tá pagando R$ 20 mil de multa ao dia e não foi cumprido, a liminar, e a minha mãe está nessa situação”, destaca a filha. 
Segundo o relatório do Tribunal de Contas da União, encontrar a emergência lotada se tornou comum, no Brasil.  Até no Distrito Federal, que tem o maior número de médicos por habitantes do país.

“Uma fraqueza que não estou aguentando nem ficar de pé, chego a estar tremendo de fraqueza” destaca uma paciente no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília.

“Minha tia tem deficiência, nem ela que tem prioridade não está sendo atendida”, conta uma estudante.
De acordo com o estudo do TCU, na maioria dos hospitais, as emergências estão sempre superlotadas, sempre.
“Eu estou com dor, desde cedo. Estou aqui desde 9h30 da manhã e até agora nada. E é porque eu recebi isso aqui, que é urgência”, desabafa uma paciente.
“O pessoal está comentando aí que só tem um médico pra atender hoje à tarde”, conta outra paciente.
Médica de folga trabalha para ajudar pacientes
Uma médica, de folga, veio acompanhar um tio doente, quando viu a situação, decidiu trabalhar.
Médica: Está faltando médico. E familiar me ajudando a fazer o procedimento. Familiar me ajudando como um técnico auxiliar de enfermagem porque não tinha ninguém para me ajudar.
Fantástico: Como senhora se sente?
Médica: Desesperada pelos pacientes, porque eles são os que mais sofrem.
A falta de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem é um problema crônico. Em 81% dos hospitais visitados pelo TCU, os administradores reconheceram que há menos profissionais do que seria necessário para atender a todos os pacientes que procuram atendimento.
“81% é muito alto para receber a população brasileira, carente, que necessita de um atendimento com dignidade”, destaca o presidente do TCU, Augusto Nardes.
UTI sem médicos
Um médico que preferiu não se identificar faz uma revelação assustadora. A UTI do maior hospital de Cuiabá chega a funcionar sem médicos. Vamos repetir: uma unidade de tratamento intensivo funciona sem médicos.
“São vários plantões em que não há medico na UTI. É como estar num avião sem piloto”, disse.
A Prefeitura de Cuiabá nega a acusação, mas o repórter Eduardo Faustini teve acesso a oito comunicados internos, dos últimos três meses, avisando a direção do hospital sobre períodos em que a UTI ficou sem médico algum.
“Não foram nem um nem dois casos de pacientes que poderiam ter saídos vivos das UTIs do pronto-socorro e não saíram. Saíram mortos. Porque eles não tiveram o cuidado adequado. Isso acontece frequentemente”, conta.
O médico diz que recebe orientações do hospital para mentir sobre a hora da morte do paciente.
“A família vai chegar na hora da visita, 'o Sr. diz que morreu um pouquinho mais tarde pra família não desconfiar que morreu num plantão sem médico'. Eu não mudo o horário do óbito porque isso ultrapassaria a minha capacidade de ser conivente com essa situação dentro do pronto-socorro”, confessa.
Segundo o relatório do TCU, o problema fica ainda mais dramático quando os profissionais faltam ao plantão.
“Eu estou com meu neto passando mal. Como é que não tem pediatra num hospital desses, pra atender uma criança passando mal, desmaiando?”, questiona uma paciente no Hospital Regional do Gama.
O pediatra apresentou um atestado médico para não trabalhar e não havia substituto para cuidar da criança.
“Eu chorei mesmo, me ajoelhei nos pés dele chorando, pedindo ajuda. ‘Ajuda uma mãe que está angustiada, porque meu filho está morrendo ali fora e vocês não querem me ajudar’”, desabafa a mãe de Ismael.
Ismael entrou em coma profundo e foi transferido. Ele se recuperou, mas em outro hospital.
Há menos leitos do que seria necessário, diz TCU
Segundo o Tribunal de Contas da União, na maioria dos estados, há menos leitos do que seria necessário. E para piorar, entre janeiro de 2011 e agosto do ano passado, a rede pública de saúde perdeu 11.576 leitos, são doze leitos fechados por dia, ou um a cada duas horas! E os técnicos ainda encontraram 2.389 leitos interditados por razões como falta de profissionais e equipamentos.
Médico: Aqui tinha como ser mais dois leitos, aí serve de depósito.
Fantástico: Por que, cara? Por que isso?
Médico: Porque não tem funcionário. Não tem funcionário, não tem cabo, não tem monitor, só tem o espaço físico mas não tem o leito em si de UTI. Não tem técnico de enfermagem suficiente para tomar conta. Aqui seria outro também. Outro leito. Outro espaço.
Fantástico: E não funciona?
Médico: Não.
Quando o hospital não tem condições de operar todos que precisam, os pacientes se acumulam nas salas e nos corredores, à espera de uma vaga. Homens e mulheres dividem o mesmo espaço.
“As mulheres, as senhoras mesmo usam fralda, entendeu? Na hora de trocar fralda, fazer a higiene das mulheres, é junto com homens, todo mundo olhando, é uma falta de respeito, gente”, conta uma mulher.
Fantástico: Quanto tempo tem que o senhor está aqui?
Paciente: Está com 11 dias.
Fantástico: Onze dias? No corredor?
Paciente: No corredor.
“Pelo menos estão em macas, macas confortáveis”, disse secretário de saúde do DF
“O que vocês viram foram pacientes em macas. Fora do local onde deveria ser, mas dentro do ambiente hospitalar com toda assistência. Pelo menos estão em macas, macas confortáveis - não são desconfortáveis - dentro do hospital sendo atendidos”, disse o secretário de saúde do Distrito Federal, Elias Miziara. 
Falta equipamentos no maior hospital de Salvador
Um paciente, em estado grave, no maior hospital de Salvador, aguarda há mais de um mês a marcação de um exame na cabeça.
Fantástico: E qual exame ele tá precisando?
Homem: Ressonância magnética
Fantástico: Ele tem o quê?
Mulher: Hemorragia cerebral.
“Olha, um paciente que teve um sangramento, uma suspeita de sangramento cerebral, que em qualquer lugar do mundo seria um paciente abordado de imediato porque se for um aneurisma, por exemplo, e ele romper, o paciente morre”, conta o médico Djalma Duarte.
Fantástico: E por que não é feito isso?
Djalma Duarte: Porque não tem o aparelho. O aparelho não existe lá.
Fantástico: No maior hospital de Salvador não tem uma ressonância?
Djalma Duarte: Não, na maior emergência da Bahia não tem esse.
Em 85% dos hospitais visitados pelo TCU, os administradores disseram que a estrutura física das unidades não era adequada. E em 77% dos hospitais falta algum tipo de equipamento. Em 23%, eles não foram instalados e muitas vezes ficam encaixotados no corredor, como no hospital Clériston Andrade, em Feira de Santana, na Bahia. O tomógrafo, usado para examinar o cérebro, não funciona.
O tomógrafo novo já chegou, mas está em uma caixa, no canto de um corredor.
Funcionário: O outro está na caixa pra ser instalado, mas precisa de uma sala mais ampla. É um aparelho mais potente, maior.
Fantástico: Tem cinco meses que chegou?
Funcionário: Já deve ter.
A secretaria estadual de saúde da Bahia diz que começou o processo de licitação da sala, mas ainda não tem previsão de quando o aparelho novo vai começar a funcionar.
Faltam remédios na rede pública
Também faltam remédios na rede pública brasileira. Em quase 80% dos hospitais, atendimentos já foram cancelados por falta de medicamentos ou materiais básicos como seringas e esparadrapo. E por que isso acontece? A maioria absoluta dos administradores aponta falhas no processo de compra como o motivo mais comum.
Seja em Brasília.
“Nós temos dois pacientes internados com endocardite grave e não temos nenhum antibiótico de escolha pra tratar esse tipo de infecção”.
Ou em Cuiabá.
Fantástico: Sulfato de magnésio.
Funcionários: Também, não tem mais. Não tem mais. Melhor perguntar o que não tem, né? Não chegou nada.
Ou em Feira de Santana, na Bahia.
Fantástico: E quando não tem o antibiótico, como é que faz?
Médico: Você conhece o "seguro Senhor do Bonfim"? A gente amarra uma fita ali do lado, meu irmão, e vai.
Paciente consegue liminar para ser atendida, mas hospital não faz cirurgia
Lembra de Dona Alaíde, que mostramos no início desta reportagem? Ela tinha conseguido uma liminar para ser operada, mas o hospital não fez a cirurgia. Na última quarta-feira, o outro aneurisma que tinha no cérebro se rompeu. E ela morreu no dia seguinte. No velório, a tristeza da filha, que lutou durante 40 dias para salvar a vida da mãe.  
Em nota, a Secretaria de Saúde de Cuiabá diz que a paciente fez o exame de angiografia exigido pela Justiça. Quanto à operação, também exigida pela Justiça, a secretaria diz que ela já estava agendada, mas que, antes disso, infelizmente, Dona Alaíde veio a falecer. A secretaria não informa, no entanto, quando Dona Alaíde seria operada.
O Conselho Federal de Medicina diz que para salvar os pacientes, o principal é melhorar muito a administração da saúde pública.
“Mais saúde depende de maior financiamento, melhor gestão administrativa, mais capacitados médicos e um bom sistema nacional de controle e avaliação. Infelizmente, a vontade política ainda não foi suficiente para a implementação desses parâmetros fundamentais à mais saúde”, disse o vice-presidente do CFM, Carlos Vital.
Procurado pelo Fantástico, o Ministério da Saúde diz que está contratando mais profissionais. E aumentando ano a ano o valor gasto em saúde para enfrentar esses problemas.
“O principal fator de redução do número de leitos no Brasil é a mudança do modo de atendimento das pessoas. É uma tendência mundial que cada vez mais seja o ambulatório e, não o hospital, o principal ponto de atendimento das pessoas. Reconhecendo que alguns hospitais têm situações muito críticas, principalmente os grandes hospitais de urgência, ele tem desenvolvido um programa específico que hoje já chegou a 28 hospitais do país, que é o SOS Emergência. A nossa expectativa é que nós possamos construir um sistema público, cada vez de melhor qualidade, com a melhor capacidade de resposta pro conjunto da população”, disse o secretário de atenção à saúde, Fausto Pereira dos Santos.
Longe dessa discussão, Maria de Lourdes, de 66 anos, enfermeira aposentada, agora só pensa na própria saúde. Cuidou de pacientes a vida inteira. Mas hoje é ela quem precisa de cuidados. Depois de um câncer, passou a ter sangramentos no estômago. E só um tratamento pode salvá-la. Assim como Dona Alaíde, ela também tem uma liminar da Justiça na mão.
Fantástico: Isso começou em setembro?
Maria de Lourdes: Em setembro. Vamos ver se eu ainda vou aguentar esperar, né. Porque cada dia eu estou ficando mais debilitada. Imunidade lá em baixo. Tivessem me operado, tivesse feito alguma coisa, hoje eu estaria boa.
Fantástico: E o futuro, o que a senhora espera?
Maria de Lourdes: Deus.
O TCU enviou o relatório ao Ministério da Saúde e a vários outros órgãos públicos. A intenção é que esse seja um passo importante para resolver os problemas que o Fantástico mostrou nesta reportagem. 150 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do SUS para cuidar da saúde.







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