A entrevista de Antonio Palocci ao ‘Jornal Nacional’ vale pelo não-dito. Longe de esvaiar, as declarações do ministro adensaram a encrenca.
Quanto faturou, ano a ano, a empresa de Palocci? Ele não disse. Os nomes dos clientes? Não informou.
Como que pressentindo a longevidade da crise, Palocci deu outra entrevista, dessa vez à Folha. Cuidou de prover a Dilma Rousseff uma boa desculpa.
O ministro disse que não informou à presidente detalhes sobre o faturamento e as atividades da Projeto, a empresa que o tornou milionário.
"Não entrei em detalhes sobre os nomes dos clientes ou sobre os serviços prestados para cada um deles", disse.
Ficou entendido que, aprofundando-se a confusão, Dilma poderá adotar a fórmula Lula: “Eu não sabia”.
Na TV, Palocci limitou-se a admitir o já sabido. Foi inquirido sobre as verbas que desceram à caixa registradora de sua empresa em 2010.
No total, R$ 20 milhões. Só nos dois últimos meses do ano, época em que Dilma já era presidente eleita, faturou R$ 10 milhões.
Palocci saiu-se com a seguinte explicação: antes de retornar ao governo, encerrou suas atividades de consultoria. Por isso, a clientela antecipou pagamentos.
Como assim? Na versão do ministro, sua empresa geria projetos com validade de até cinco anos. Algumas receitas viriam em seis meses, um ano.
Encerradas as atividades da consultoria de Palocci, os clientes abreviaram, gostosamente, os pagamentos futuros.
Nesse ponto, as “explicações” do ministro não fazem nexo. Ou Palocci trabalhou dia e noite para antecipar serviços futuros ou precisa arranjar outra desculpa.
No mais, Palocci repisou o lero-lero segundo o qual agiu dentro da lei, pagou os tributos e não traficou influência.
Sobre a crise que sua prosperidade injetou no governo, Palocci soou ingênuo:
“Não há crise no governo, há uma questão em relação à minha pessoa. Prefiro assumir plenamente a responabilidade que eu tenho”.
A certa altura, Palocci pediu um crédito de confiança: “Não há coisa mais difícil de provar do que aquilo que você não fez...”
“...Não fiz tráfico de influência, não fiz atuação junto a empresas públicas. Como te provo isso? Tem que existir boa fé nas pessoas”.
O diabo é que o passado de Palocci, o de Ribeirão Preto e o da Brasília de Lula, não o recomenda.
Dezenove dias depois da revelação de sua fortuna, Antonio Palocci foi aos refletores. Pronunciou “explicações” que, por inconsistentes, borrifaram querosene na crise.
O ministro pede à platéia que o ouça com "boa-fé". Ou providencia um complemento ou se arrisca a perder até o benefício da dúvida. Vão abaixo dez perguntas irrespondidas:
1. Quem foram os clientes da Projeto, empresa de consultoria de Palocci?
O ministro não forneceu a lista nem à Procuradoria-Geral da República. Ao distinto público, nem pensar. “Acho que não tenho o direito de fazer a divulgação de terceiros”. Beleza. Nesse caso, Palocci deveria demitir-se. De um servidor público, exige-se a transparência do cristal, não a opacidade do copo de geléia. A sonegação dos dados estimula a suspeita de que Palocci vendeu acesso ao Estado.
2. Afinal, que tipo de serviços Palocci vendia aos seus clientes?
O ministro soou vago. Disse que trabalhou para indústrias, bancos, fundos de investimento e empresas prestadoras de serviço. Absteve-se de esmiuçar a natureza dos serviços. Incompreensível.
3. Como assegurar que Palocci não vendeu facilidades no governo do PT?
O ministro disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. Jura que não defendeu interesses privados em repartições públicas. À Globo, afirmou que trabalhou para “um conjunto de empresas que pouco tem a ver com investimentos públicos”. À Folha, afirmou que “trabalhava em projetos de novos investimentos”, que, “uma vez ou outra, poderiam ser aquisição de empresas”. Mas aquisições e fusões não dependem de aprovação de órgãos governamentais? Sim, reconhece Palocci. Mas “essa parte nunca fiz”, ele alegou. Dar-lhe crédito tornou-se uma questão de fé. Coisa aceitável em igrejas, não na Casa Civil.
4. Quanto o Palocci faturou como consultor entre 2006 e 2009?
Ouça-se o ministro: “Os números da empresa são números que eu gostaria de deixar reservados porque não dizem respeito ao interesse público. [...] Respeite o direito de eu não falar em valores”. Errado. Se o que Palocci deseja é privacidade, deveria fugir do Congresso Nacional e da Esplanada dos Ministérios. Tornou-se milionário no exercício do mandato de deputado. Em quatro anos, multiplicou o patrimônio por vinte. A platéia tem direito à curiosidade.
5. Por que o faturamento de Palocci saltou para R$ 20 milhões em 2010?
O ministro atribui o salto à decisão de fechar a consultoria antes de assumir a Casa Civil. Os pagamentos foram “antecipados”. Soou confuso. À Folha, disse que “a empresa só recebeu pelos serviços efetivamente prestados até 2010”. À Globo, declarou que pingaram no final de 2010 pagamentos relativos a “serviços prestados ao longo de anos”. Inclusive coisas que “estavam previstas para ser pagas um ano depois, seis meses depois”. Faltou explicar o porquê de tamanha generosidade com um personagem que, àquela altura, coordenava a transição em nome de uma presidente eleita. Palocci era um ministro à espera da nomeação.
6. Como se explica que Palocci, consultor solitário, tenha amealhado em 2010 faturamento igual ou superior ao das maiores consultorias do país?
Em representação ao Ministério Público, senadores de oposição compararam a Projeto de Palocci com duas gigantes do ramo da consultoria. Ao atingir a marca dos R$ 20 milhões, a firma de Palocci equiparou-se à LCA, cuja equipe é “formada por mais de cem pessoas”. Superou a Tendências, que dispõe de “70 funcionários”, atende a cerca de “100 clientes” e fatura anualmente “entre R$ 13 milhões e R$ 15 milhões”. Palocci não refuta as cifras. Apenas repisou o lero-lero: seu faturamento foi maior em 2010 porque fechou o balcão. De novo, a crença depende da fé. Muita fé.
7. Por que Palocci não informou a Dilma o nome de seus clientes e o faturamento de sua empresa?
Eis o que disse o ministro: “Não achei que era adequado importunar a presidente com esse tipo de informação, esse tipo de detalhe”. Nem depois da revelação de que virara um milionário? “Não acho adequado levar essas informações à presidente”. Dilma não perguntou? “Não”. Neste caso, tem-se, além de um ministro sob suspeição, uma presidente da República inepta.
8. Como fez Palocci para separar o caixa eleitoral de Dilma da caixa registradora de sua empresa?
O ministro assegurou: “Não existe nenhum centavo que se refira a política ou campanha eleitoral” na escrituração da Projeto. Em seguida, fez declaração que desmerece a anterior. Não participou da coleta que forniu as arcas eleitorais. “Minha atividade na campanha foi política”. Nesse ponto, nem a fé estimula a crença.
9. Por que Palocci não divulga os ofícios que remeteu ao procurador-geral?
“Nenhuma informação da minha empresa é secreta”, afirmou o ministro. Mas os dados só estão disponíveis “para os órgãos de controle”. Por quê? Medo da luz do Sol.
10. Por que Palocci trocou o milionário escritório de consultoria pelo contracheque mixuruca de ministro?
Ninguém perguntou. Mas, decerto, foi por altruísmo, pelo desejo irrefreável de servir à causa pública.
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