José Eduardo Dutra, presidente do PT, sempre tão eloqüente no Twitter, famoso por seu senso de humor petista, chapa de um monte de jornalistas desde os tempos em que era senador, parece à beira de um ataque dos nervos. Eu o vi ontem na TV: estava lívido. E promete reagir. Já chego lá.
Eu continuo não sabendo quem vai ganhar as eleições. Todos aqueles que sabiam e que estavam certos de que Dilma Rousseff, do PT, venceria o embate já no primeiro turno quebraram a cara, foram desmoralizados — foram, na verdade, derrotados. Não se deram por vencidos. Correram atrás de uma explicação e, em sociedade com o PT, resolveram “culpar” por seu erro a suposta migração do voto evangélico ou, mais amplamente, cristão. O tiro saiu pela culatra. Acabaram criando uma causa. Não sei quem vai ganhar, mas que é divertido ver o desespero de petistas, ah, isso é.
Acostumaram-se a ser os comandantes da boataria; acostumaram-se a destruir reputações na Internet; acostumaram-se a pautar a imprensa contra adversários — e são ainda bastante poderosos nisso. Mas, desta feita, estão em palpos de aranha, esperneando, tentando escapar da armadilha que acabaram criando para si mesmos. A palavra de ordem da hora é ameaçar os “adversários” com uma tempestade de ações judiciais e com a polícia. Só que há um probleminha aí.
Em 2006, os petistas inventaram que Geraldo Alckmin iria privatizar a Petrobras, a CEF e o Banco do Brasil. A mentira pegou. NENHUM JORNALISTA CHAMOU AQUILO DE “BAIXARIA”. Em 2010, o que pegou foi a verdade: Dilma efetivamente concedeu aquelas entrevistas defendendo a descriminação e a legalização do aborto. E agora se equilibra na corda bamba. Ontem à noite, ela se dizia “contra o aborto”. A favor, convenham, ninguém é. A questão está na criminalização ou não da prática. Sem truques, candidata!
Polícia Federal
Os petistas são doidos para chamar a Polícia Federal. Em 2006, diga-se, ela precisou ser chamada — contra os aloprados do PT, não é mesmo? Ontem, Dutra anunciou — segundo informava Andrea Jubé Vianna no Estadão Online — que pedira à PF ”a abertura de inquérito para investigar a autoria” de um panfleto supostamente distribuído pela TFP (Tradição, Família e Propriedade) no encontro de oposicionistas ocorrido na quarta. Segundo a reportagem, “o texto orienta como difundir uma campanha contra Dilma na internet.”
Duas coisas:
1- Dutra pode pedir, no máximo, à PF que investigue alguma coisa. O órgão vai decidir se cabe investigação ou não. Não é o presidente do PT que decide se há inquérito ou não;
2 - o tal panfleto nem toca no nome de Dilma Rousseff nem orienta campanha.
Eis o PT trabalhando, apostando na confusão. Agora vamos pensar o conjunto da obra.
O tal papelucho atribuído à TFP, que não aceita mulheres, estava sendo distribuído por uma… mulher! A organização, que está rachada no Brasil, mal existe. As correntes mais tradicionais da Igreja Católica não costumam querer qualquer proximidade com a TFP, que, enquanto teve alguma importância, recusava a autoridade do Vaticano. Mas isso ainda poderia ser o de menos. O fundamental vem agora: por que diabos alguém distribuiria um panfleto anti-PT ou anti-Dilma (o nome dela nem aparece no texto) num encontro de oposicionistas? Para convencer quem do quê? Com que propósito? Quem quer que tenha tomado tal iniciativa buscava, evidentemente, associar as oposições a um grupo ultra-reacionário, que, em tese ao menos (se tivesse existência real), vive às turras com a autoridade do próprio papa. A quem interessa tal associação? Ao PSDB? Seria conveniente mesmo que a Polícia Federal investigasse. Afinal, tucano não é jumento.
A lambança toda não deixa de ter um aspecto curioso porque o trecho do papelucho que mais “chocou” diz o seguinte sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos:
“O PNDH-3 é um projeto de lei que tem por objetivo implantar em nossas leis a legalização do aborto, acabar com o direito da propriedade privada, limitar a liberdade religiosa, perseguir cristãos, legalizar a prostituição (e onde fica a dignidade dessas mulheres?), manipular e controlar os meios de comunicação, acabar com a liberdade de imprensa, taxas sobre fortunas o que afastará investimentos, dentre outros. É um decreto preparatório para um regime ditatorial“.
A pessoa que o redigiu para tentar, evidentemente, transformar as oposições em algozes e os petistas em vítimas — dando a Dutra a chance de pedir à PF “a abertura de um inquérito” (como se ele pudesse…) — soube ser bastante realista ao resumir o plano. Uma tramóia, afinal, precisa ser verossímil. Vejam:
1 - Aborto - o plano, com efeito, trazia como diretriz a legalização do aborto. Tanto trazia que Lula foi obrigado a recuar. Estava lá não “Ação G” do Objetivo Estratégico III:
g) Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos.
( ) verdade ( ) mentira
Como ficou - Diante dos protestos, o governo mudou o texto, que ficou assim: “Considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde”. É uma forma oblíqua de defender a descriminação, é claro.
2 - Direito de Propriedade - o plano, com efeito, relativiza o direito de propriedade ao propor que juízes só determinem a reintegração de posse de área invadida depois de promover audiências de que participem os invasores. Temos lá na “Ação D” do “Objetivo Estratégico VI:
d) Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar, como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos.
( ) verdade ( ) mentira
Como ficou - Nesse caso, a mudança foi ridícula. Manteve a proposta da audiência com invasores, mas “sem prejuízo de outros meios institucionais”.
3 - Perseguição religiosa - o plano, com efeito, defendia uma variante de perseguição religiosa ao determinar, na prática, que todos os crucifixos fossem retirados de repartições públicas. Está lá na “Ação C” do Objetivo Estratégico VI:
c) Desenvolver mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União.
( ) verdade ( ) mentira
A proposta foi eliminada na nova redação.
4 - Prostituição - O plano, com efeito, propõe a regulamentação da prostituição na “Ação N” do Objetivo Estratégico VI, a saber:
“Garantir os direitos trabalhistas e previdenciários de profissionais do sexo por meio da regulamentação de sua profissão.
( ) verdade ( ) mentira
A proposta foi mantida.
5 - Liberdade de imprensa - o plano, com efeito, instituía uma forma oblíqua de censura em vários trechos. Cito a “Ação A” do Objetivo Estratégico I, entre outras:
a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.
( ) verdade ( ) mentira
Como ficou - A nova redação se limite a falar na regulamentação do artigo 221 da Constituição, sem os outros penduricalhos.
6 - Taxação de Grandes fortunas - O plano, com efeito, essa diretriz na Ação D do Objetivo Estratégico II:
d) Regulamentar a taxação do imposto sobre grandes fortunas previsto na Constituição.
A proposta foi mantida.
Caminhando para o encerramento
Pronto! Se o inquérito for aberto, já quebrei um galhão para a PF. O trecho pode omitir algumas pequenas mudanças, mas mentiroso, em si mesmo, não é. Assim, é preciso, então, investigar outra coisa: quem estava circulando numa reunião de oposicionistas, dizendo-se da TFP, cometendo a ridicularia de distribuir panfletos contra o governo numa reunião que já é, por natureza, antigoverno, depositando-os, de modo estratégico, na mesa do cafezinho?…
O anúncio de Dutra é uma tentativa de criminalizar as oposições para tentar tirar o foco do essencial nesse caso: as declarações dadas por Dilma em favor da descriminalização do aborto e a histórica e comprovada militância do PT e do governo Lula em favor dessa causa.
É ou não é, Dutra? Por enquanto, os truques não estão funcionando.
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