Especialistas questionam os critérios adotados pelo Ministério da Saúde para receitar o remédio contra a doença. A falta do medicamento pode ter provocado mortes no Brasil
ANDRÉIA BAHIA
| Paulo Rassi, secretário municipal de Saúde: “Felizmente, por causa do clima mais tropical, não fomos atingidos como os outros Estados” | | Cezar Gonçalves Gomes, diretor do Materno-Infantil: “O risco de contaminação em um hospital é o mesmo que em um shopping” | De acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde, 192 pessoas morreram no Brasil de gripe suína. Mas os dados das Secretarias de Saúde dos Estados apontam para um número bem maior: 314 óbitos. Uma cifra que também pode estar subestimada, uma vez que várias mortes ainda estão sendo investigadas em todos os Estados. Só em Goiás, a Secretaria Estadual de Saúde aguarda os exames de cinco pessoas que morreram com suspeita da doença. A última vítima foi um rapaz de 25 anos, de Ipameri, que estava internado em Catalão desde o início da semana passada e foi transferido para o Hospital de Doenças Tropicais (HDT) na quarta-feira, 12. Ele morreu no dia seguinte, menos de uma semana depois de sentir os primeiros sintomas da doença.
O resultado das investigações pode alterar significamente o número de mortes no País, como ocorreu na última semana, quando os óbitos saltaram de 92 para os atuais 192 em apenas nove dias. As mortes já confirmadas colocam o Brasil em terceiro lugar em número de óbitos por gripe suína no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (436) e da Argentina (338). O México, país onde a pandemia de gripe suína começou, está em quarto lugar com um total de 162 mortes. Segundo dados do Ministério da Saúde, 43% dos pacientes que morreram de gripe suína no Brasil apresentavam pelo menos um fator de risco. As vítimas brasileiras correspondem a 10% do total de óbitos registrados no mundo e o índice de letalidade da doença no Brasil é de 0,09 mortes em cada grupo de 100 mil habitantes. Segundo o Ministério da Saúde, um índice pequeno, o segundo menor do mundo.
Um dado que pode ser contestado, visto que a epidemia, por enquanto, está mais concentrada em quatro Estado brasileiros, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. Nestes Estados, o índice de letalidade é muito maior que os 0,09 divulgado pelo Ministério da Saúde. No Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul chega a 0,40 e 0,39 respectivamente. Se o vírus atingir os demais Estados com a mesma força nos próximos meses, o que muitos infectologistas já preveem, o índice de mortalidade pela doença no Brasil pode passar a ser um dos maiores do mundo. O índice mundial é de 0,45.
Desde abril, quando foi registrado o primeiro caso de gripe suína no México, 1.882 pessoas morreram em 48 países. Um número que não chega nem perto dos 50 milhões de pessoas mortas na Europa de gripe espanhola, o que, todavia, não impede que se façam previsões catastróficas em relação à gripe suína com base na espanhola. Segundo alguns especialistas, o governo federal está subestimando o vírus H1N1, resultado de uma mutação de um vírus que infectava apenas porcos e passou a contaminar pessoas.
As autoridades de saúde tentam refrear o pânico, que tem levado as pessoas, principalmente das regiões Sul e Sudeste, onde estão concentrados mais de 90% das mortes por gripe suína, a usar máscaras e evitar o contato pessoal e aglomerações. Em Goiás, foram registrados até agora 28 casos, 33 estão sendo investigados e nenhuma morte pela doença foi confirmada. Talvez por isso ainda sejam vistas situação de total desatenção com a doença em locais de atendimento de saúde, onde grávidas, crianças e idosos se misturam com pessoas com sintomas de gripe nas salas de espera. O único cuidado dispensado aos casos suspeitos de gripe é o uso da máscara. “Não tem como isolar todos os casos de síndrome respiratória e o risco de contaminação em um hospital é o mesmo que em um shopping”, afirma o diretor do Hospital Materno-Infantil, Cezar Gonçalves Gomes.
Segundo o secretário municipal de Saúde, Paulo Rassi, até agora Goiás foi beneficiado pelo clima. “Felizmente, por causa do clima mais tropical, não fomos atingidos como os outros Estados.” Na opinião do secretário, que é médico, há a possibilidade de a pandemia estar sendo subestimada, pois se trata de uma doença grave, que em alguns casos requer internação até mesmo em centros de tratamento intensivo. “É uma doença de risco porque outros vírus e bactérias se aproveitam da gripe para atacar.” Mas mesmo assim Paulo Rassi não recomenda a segregação de pessoas que apresentem sintomas de gripe. Segundo ele, apenas grávidas e pessoas com imunidade baixa devem tomar precauções. “Não há necessidade de alarde”, diz.
O secretário afirma que as mortes ocorridas pela doença eram esperadas porque ocorrem também em casos de gripe comum. Paulo Rassi acredita que o pior da gripe suína ainda esteja por vir. “O vírus virá mais forte no ano que vem”, prevê. Na opinião de Cezar Gomes, a maioria das pessoas que contraírem o vírus Influenza H1N1 vai ter apenas uma gripe que deve evoluir normalmente. Para ele, a novidade da gripe suína é a escala que ela atingiu. “Ela ganhou essa importância por se tratar de uma pandemia.” De tempos em tempos, observa o diretor do Materno-Infantil, ocorre a mutação de algum vírus, o que vem a provocar novas epidemias. O que explicaria epidemias como a febre espanhola. “Com a globalização e a população cada vez maior, as epidemias tendem a ser cada vez maiores.”
A diretora da Vigilância Sanitária de Goiânia, Cristina Laval, que representa o município no comitê criado para definir medidas de combate a gripe suína em Goiás, diz que a partir de agora, as estatísticas sobre a doença vão refletir apenas os casos mais graves, aqueles que serão monitorados pelas autoridades de saúde. “Mas se existem casos graves, o número de ocorrências leves é muito maior”, afirma. Apesar de dizer que não é caso para celeuma, Cristina Laval admite que a situação é preocupante. “Não há necessidade de uso de máscaras porque isso não vai contribuir para evitar a circulação do vírus, que já circula livremente pelo país. Segundo ela, a grande maioria dos casos de gripe suína é moderado e a mortalidade por número de habitantes não é alarmante: “É semelhante à provocada pelo vírus influenza comum.”
Em Goiás, os casos suspeitos da doença estão sendo encaminhados para o HDT e Materno-Infantil, unidades de referência para tratamento da gripe suína. Segundo o diretor do Materno-Infantil, Cezar Gonçalves Gomes, o hospital está preparado para atender a quantidade de casos que têm sido encaminhados para a unidade por dia, duas a três grávidas e cerca de 60 crianças com sintomas da gripe. “O que está dentro da média em relação aos casos de doenças respiratórias”, afirma. Até agora, nenhum caso suspeito de gripe suína tratado no Materno-Infantil foi confirmado e apenas duas grávidas estão internadas no hospital com sintomas da doença e o estado de saúde de ambas é estável. “Por enquanto, o Materno-Infantil está conseguindo atender a demanda.”
Mas o médico está preocupado com a perspectiva de aumento no número de casos. “Aí teremos dificuldades para atender.” O HDT já vive essa situação. Não havia, no hospital, UTI para receber o rapaz de Ipameri que morreu na quinta-feira com sintomas da doença e que havia chegado ao HDT em estado grave, necessitadno de tratamento intensivo. Mesmo assim, o diretor do HDT, Boaventura Braz Queiroz, avalia como discreto o impacto da gripe suína em Goiás. “A entrada do vírus no Estado é incipiente, mas a tendência é aumentar nos próximos 12 meses”, afirma. Até setembro, o médico acredita que vá haver um aumento dos casos e depois, no verão, uma redução significativa, visto que as estações frias são mais propícias para a proliferação do vírus.
Boaventura Queiroz observa que o vírus da gripe suína é semelhante ao da gripe comum, com a diferença que acomete gravemente também pessoas de 20 a 40 anos, que normalmente não sofrem com as gripes chamadas sazonais. Pessoas que não fazem parte do chamado grupo de risco composto por grávidas, idosos com mais de 60 e menos, crianças com menos de 2 anos e doentes crônicos e que, portanto, não podem receber o medicamento usado para combater a doença, o Tamiflu, de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde. Os critérios adotados pelo ministério para distribuir o remédio vêm sendo criticado por vários infectologistas do país.
Para muitos médicos, o número elevado de mortes por gripe suína no Brasil é consequência da restrição do medicamento. Não opinião de Boaventura Queiroz, até agora o governo federal tomou as medidas corretas em relação ao novo vírus, todavia erra ao restringir a indicação de Tamiflu. “O mais correto era deixar a conduta a critério dos médicos, porque eles que sabem se o medicamento é necessário ou não para o paciente.” Política adotada em outros países que apresentam um índice de letalidade por gripe suína muito menor que a do Brasil. É o caso da Inglaterra e do Chile, onde a medicação é distribuída livremente e o número de mortes bem inferior ao do Brasil.
A restrição no Brasil não ocorre por falta do medicamento. Segundo Boaventura Queiroz, dos 500 tratamentos que a Secretaria Estadual de Goiás recebeu, apenas 15% foram dispensados. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, diz que a restrição ocorre para que não haja o uso indiscriminado do medicamento, o que poderia provocar resistência no vírus em relação ao Tamiflu. Os infectologistas não defendem a venda livre em farmácia, mas a indicação para todos os pacientes com sintomas, já que a remédio só faz efeito se ministrado nas primeiras 48 horas após o surgimento dos sintomas. Como se trata de uma doença aguda, o remédio encurta seu período e evita o aparecimento das complicações. “O que está sendo questionado na prescrição do medicamento é a avaliação do médico” observa o HDT.
Em Goiânia, além do HDT e Materno-Infantil, apenas outras cinco unidade de saúde receitam o Tamiflu. O medicamento também vai estar disponível em outras 15 cidades do interior a partir desta semana. Segundo a diretora da Vigilância Sanitária de Goiânia, Cristina Lava l, o problema da gripe suína é o diagnóstico, já que a virose apresenta os mesmo sintomas que outras doenças: febre acima de 39 graus, tosse e dor de garganta. Na gripe suína, os sintomas permanecem até cinco dias. “Nestes casos, a pessoa deve procurar o médico.” Ela explica que em casos leves, são receitados os medicamentos para a gripe comum. Para conseguir o Tamiflu, a pessoa precisa fazer parte do grupo de risco e ainda apresentar a receita médica, um formulário próprio para a dispensa do medicamento e comprovante de endereço.
No primeiro momento, o governo tentou barrar a entrada o vírus no País e, segundo o ministro José Gomes Temporão, as medidas retardaram a entrada no vírus no Brasil por 80 dias. Num segundo momento, foram monitorados todos os casos para se conhecer o perfil da doença e, com o crescimento no número de casos, adotadas medidas para atender os mais graves. Como o vírus já circula pelo País, não há medidas preventivas contra a doença. Apenas a vacina, que começou a ser produzida recentemente no Brasil, pode evitar o contágio e as primeiras doses estão previstas para o ano que vem.
As autoridades de saúde têm orientado as pessoas a evitar aglomerações e, principalmente, hospitais se não estiverem com os sintomas da doença. Lavar as mãos com sabão também passou a ser prevenção da gripe suína. Medidas pouco eficazes, caso se confirmem as previsões dos mais pessimistas. |
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