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sábado, 11 de abril de 2009

Após parecer contra sua liberdade, Battisti reforça a equipe de defesa

A última cartada
O italiano Cesare Battisti reforça equipe de defesa diante de parecer contrário à sua libertação até o julgamento


Luiza Villaméa

RETA FINAL O italiano pediu ajuda a advogado constitucionalista

O ex-ativista político italiano Cesare Battisti deve permanecer atrás das grades até que o mérito do pedido de extradição feito pela Itália seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que veio a público na semana passada, depois de ser enviado ao relator do caso no STF, ministro Cezar Peluso, fez acender o sinal de alerta na defesa do italiano. De sua cela no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília, o próprio Battisti decidiu redesenhar sua estratégia.

Despachou uma carta para o constitucionalista Luís Roberto Barroso, pedindo-lhe que integrasse sua equipe de defesa. Pouco depois de Battisti ser preso, em março de 2007, Barroso já havia sido procurado por amigos do italiano, mas não chegou a atuar no processo. Desta vez, porém, ele decidiu se debruçar sobre o caso. Já se reuniu inclusive com o exdeputado Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado de Battisti. Também participou do encontro a escritora francesa Fred Vargas (leia entrevista abaixo), que lidera um movimento de apoio ao italiano e esteve em Brasília para acompanhar os desdobramentos do caso.

Apesar da condição de refugiado político, concedida a Battisti em janeiro passado pelo governo federal, o ex-ativista vem colecionando fracassos em sua tentativa de arquivar o pedido de extradição - ou de, pelo menos, responder ao processo em prisão domiciliar. Hoje com 54 anos, Battisti foi, na juventude, integrante da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), responsável por quatro homicídios nos anos 1970. Ele assume ter integrado os PAC e tomado parte de ações armadas, o que lhe valeu uma condenação em 1981 por "subversão e participação em grupo armado". Battisti, porém, nega ter participado, direta ou indiretamente, de ações que culminaram em mortes. No decorrer da semana passada, enquanto o constitucionalista Barroso se preparava para atuar no processo, Greenhalgh procurava reforçar a condição de perseguido político de Battisti.

O advogado deve anexar ao processo que tramita no STF documentação mostrando que a tortura de presos políticos era uma prática recorrente na Itália dos anos 1970.

"É uma falácia o argumento de que, como era uma democracia, não ocorriam perseguições políticas e torturas na Itália", afirma Greenhalgh.

Um dos documentos em poder do advogado mostra que a Anistia Internacional recebeu à época denúncias de que, ao serem presas, pessoas suspeitas de participar de organizações como os PAC "foram espancadas, queimadas com pontas de cigarro, obrigadas a beber água salgada ou foram expostas a jatos de água gelada".

O relato foi publicado na obra Le torture affiorate, no qual Sisinio Bitti, um ex-integrante dos PAC, conta que, depois de ser preso, em fevereiro de 1979, foi torturado seguidamente para revelar onde estariam as armas usadas no atentado que matou o joalheiro milanês Pierluigi Torregiani. "Em certo ponto, fui obrigado a inventar uma desculpa para escapar da violência física", afirmou ele.

"CESAR E ESTÁ EM PERIGO"

Arqueóloga por formação, a escritora francesa Fred Vargas, 51 anos, é conhecida por seus romances policiais. Autora de 20 obras, ela já vendeu cerca de seis milhões de livros em 40 países. Embora tenha apenas quatro romances editados no Brasil, Fred fez oito viagens ao País desde que desembarcou aqui pela primeira vez, em julho de 2007. Seu vínculo com o Brasil se deve ao movimento que faz a favor do ex-ativista italiano Cesare Battisti. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu, de Paris, onde vive, à ISTOÉ:

ISTOÉ - Por que a sra. está na linha de frente da defesa de Cesare Battisti? Fred Vargas - Os arqueólogos são assim. Eles não param de cavar enquanto não encontram todos os elementos da verdade. Venho cavando a verdadeira história de Cesare há cinco anos. E este conhecimento me colocou na "linha de frente". Não quero que a verdade permaneça escondida devido a mentiras e motivos políticos.

ISTOÉ - Como a sra. se engajou nesse movimento?
Vargas - Como muitos outros na França, me engajei quando Cesare foi preso em Paris, em fevereiro de 2004. Vinte anos antes, o presidente François Mitterrand havia prometido proteger os antigos ativistas italianos em nosso solo. Mas, em 2004, o presidente Jacques Chirac aceitou entregar 20 deles para Silvio Berlusconi, se a Itália aceitasse assinar o Tratado Europeu. Ficou claro que era uma questão política. Uma vergonha para o nosso país. E foi a primeira vez que a França vendeu homens e mulheres, Cesare no topo da lista, porque ele era um escritor muito loquaz.

ISTOÉ - Quando a sra. conheceu Battisti?
Vargas - Quando ele foi libertado da prisão, em março de 2004. Antes, eu havia visto o Cesare uma ou duas vezes, em seminários, mas não me lembrava bem dele. Não seria capaz de reconhecêlo na rua. Não o defendo porque ele foi um amigo ou é um escritor, como frequentemente dizem para desqualificar meu trabalho.

ISTOÉ - A sra. apoia ou já apoiou a luta armada?
Vargas - Nunca. Eu odeio a violência, venha ela de onde vier. E o próprio Cesare renunciou a esta ideia 31 anos atrás. Foi depois da morte de Aldo Moro (ex-primeiro- ministro da Itália), em maio de 1978, antes dos quatro homicídios de seu grupo armado.

ISTOÉ - Em sua opinião, o que pode acontecer se Battisti for extraditado? Vargas - Doenças ou morte. Cesare está, obviamente, em perigo. Não podemos esquecer que sua pena é de encarceramento sem direito à luz do sol. Na Itália, ele não seria tratado como um prisioneiro comum.

ISTOÉ - O que a sra. tem a dizer à família das vítimas dos crimes pelos quais Battisti é acusado?
Vargas - Cesare não cometeu nenhum assassinato. Quando começou o processo por homicídios, em 1982, ele estava ausente e falsas procurações foram fabricadas para "representá-lo". Posso dizer aos parentes das vítimas que entendo profundamente a dor deles. Isto é verdadeiro e sincero. Mas ninguém pode ser confortado pela prisão de um homem que não é culpado.

Entre as acusações que pesam contra Battisti está a participação no atentado que matou o joalheiro Torregiani, em 1977. Segundo sua defesa, no entanto, todas as denúncias envolvendo morte são baseadas apenas em depoimento do chefe de Battisti nos PAC, Pietro Mutti, que se beneficiou de um programa de delação premiada. "Elas só surgiram em um processo de 1988, no qual Battisti foi julgado à revelia", afirma Greenhalgh. Battisti, que fugira da Itália sete anos antes, teria sido representado no julgamento por meio de procurações escritas em papéis que ele assinara em branco, antes de deixar o país. Ao STF, Greenhalgh já apresentou laudo grafotécnico da perita Evelyne Marganne, creditada junto ao Tribunal de Justiça de Paris, indicando a manobra. Com julgamento previsto para maio, o processo de Battisti é o mais polêmico dos 69 pedidos de extradição à espera de julgamento no Supremo. Além de ter desencadeado uma crise diplomática entre o Brasil e a Itália, que chegou a chamar de volta seu embaixador em Brasília, é também o único caso de estrangeiro com status de refugiado político a aguardar julgamento preso.

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