base: 55% dos usuários do Bolsa Família ainda sofrem com problemas de alimentação
Publicada em 27/06/2008 às 23h26m
O Globo Online; Efrém Ribeiro e Flávio Tabak - O GloboRIO - Uma pesquisa inédita divulgada nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) mostra que 55% dos usuários do Bolsa Família ainda sofrem algum tipo de restrição alimentar e que a dieta das famílias tem alimentos de maior densidade calórica e menor valor nutritivo, o que preocupa os especialistas. ( Veja a íntegra da pesquisa )
A restrição alimentar pode ser grave (quando há fome entre adultos e/ou crianças da família) ou moderada (quando há restrição na quantidade de alimentos na família, de acordo com a EBIA - Escala Brasileira de Segurança Alimentar).
Segundo o estudo "Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas", 21% dos beneficiários (2,3 milhões de famílias ou 11,5 milhões de pessoas) estão em situação de insegurança alimentar grave. Outros 34% (3,8 milhões de famílias, perfazendo 18,9 milhões de pessoas) estão em situação moderada.
" É necessário manter e aperfeiçoar o programa, associando-o a outras políticas públicas capazes de atacar problemas como a falta de saneamento básico "
O estudo sugere que o Bolsa Família, que atende no total 11,1 milhões de famílias, e será reajustado no dia 1º de julho, é importante para melhorar as condições gerais de vida, embora não garanta índices satisfatórios de segurança alimentar, questão associada a um quadro de pobreza mais amplo.
- É necessário manter e aperfeiçoar o programa, associando-o a outras políticas públicas capazes de atacar problemas como a falta de saneamento básico e de acesso ao mercado formal de trabalho, fatores que interferem na insegurança alimentar - avalia Francisco Menezes, diretor do Ibase e coordenador do trabalho.
Menezes diz que as informações colhidas sobre a compra de alimentos apontam para uma aparente contradição. Enquanto as famílias aumentaram, em geral, o consumo de alimentos básicos, como arroz e feijão, houve um acréscimo na aquisição de biscoitos e industrializados (63% e 62% respectivamente).
- Não podemos concluir que as famílias estão usando mal os recursos quando compram comida. Melhorou a variedade, 76% dos titulares disseram que adquirem mais arroz - afirmou o coordenador da pesquisa, acrescentando, porém, que alimentos de baixo valor nutritivo passaram a entrar nos carrinhos de supermercado dos titulares do Bolsa Família: - Cresceu o consumo de biscoitos, doces e refrigerantes, que ficaram mais baratos, com mais oferta de marcas.
O pesquisador do Ibase afirma também que a ingestão desse tipo de alimento não ocorre por falta de informação. De acordo com Menezes, as famílias sabem o que estão comendo, mas decidem comprar refrigerantes, por exemplo, por causa do preço e pela sensação de saciedade provocada pelo açúcar:
Gastos com roupas, material escolar e remédios
Apesar dos problemas apresentados, o levantamento mostra que houve aumento de consumo. Os usuários do programa relataram que houve aumento na quantidade de alimentos que eram consumidos a partir do recebimento do dinheiro, bem como a variedade dos alimentos adquiridos (69,8%).
A pesquisa mostrou ainda que 87% afirmam gastar o dinheiro recebido do programa principalmente com alimentação, mas o benefício também é gasto com material escolar (46%), vestuário (37%) e remédios (22%). Os valores somados superam 100% porque os pesquisados puderam escolher mais de uma opção. Para o governo, está provado que o dinheiro chega a quem mais precisa. A situação dessas pessoas, segundo o governo, poderia ser pior sem a criação do programa.
A secretária nacional de Renda de Cidadania, Rosani Cunha, que gere o Bolsa Família, comentou o resultado da pesquisa do Ibase. Para ela, pelo fato de não existirem resultados anteriores, os 55% de famílias que têm falta de alimentos em casa não mostram falhas no programa.
Rosani Cunha afirma que o programa está chegando às famílias que mais precisam. De acordo com ela, os dados de insegurança alimentar demonstram isso.
- O programa está chegando às famílias mais pobres. Não sabemos em que situação estavam essas famílias. Elas poderiam apresentar problemas mais graves quanto ao acesso a alimentos.
Maior consumo de açúcares
Dos grupos de alimentos, os que tiveram aumento de consumo mais expressivo após o recebimento do benefício foram açúcares (78%), arroz e cereais (76%), leite (68%), biscoitos (63%), produtos industrializados (62%) e carnes (61%). Houve ainda elevação do consumo de feijão (59%), óleos (55%) e frutas (55%).
" No geral, a dieta das famílias mostra que alimentos de maior densidade calórica e menor valor nutritivo prevalecem na decisão de consumo "
- No geral, a dieta das famílias mostra que alimentos de maior densidade calórica e menor valor nutritivo prevalecem na decisão de consumo, o que é preocupante e levanta a necessidade de programas direcionados para a educação alimentar e para a oferta de alimentos saudáveis a preços acessíveis - disse Francisco Menezes.
Sobre o aumento no consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcar, como biscoitos e refrigerantes, a gestora do Bolsa Família afirmou que se trata de uma tendência da população brasileira, que não tem relação direta com os titulares dos cartões do programa:
- A própria Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, mostra que é o padrão da população brasileira. As famílias extremamente pobres voltam a consumir arroz e feijão quando passam a ter acesso ao benefício. É saudável, outros padrões alimentares não são específicos dos atendidos pelo programa, e sim da população em geral - afirmou Rosani.
A pesquisa ouviu 5 mil titulares do cartão Bolsa Família em 229 municípios, entre setembro e outubro de 2007, e foi precedida de uma fase qualitativa.
A maioria dos entrevistados (93,6%) foi de mulheres, público que preferencialmente recebe o cartão do Bolsa Família. A maior parte das titulares (64,4%), é formada por negros ou pardos e vive em área urbana (78,3%). Apenas 43,7% declararam ter tido trabalho remunerado no mês anterior à pesquisa, sendo que uma minoria (16%) com carteira assinada. A quase totalidade (99,5%) afirmou que, de modo geral, não deixou de trabalhar por conta do Bolsa Família e 73% encaram o benefício como temporário.
Beneficiada no Piauí usa dinheiro para comprar geladeira, fogão e roupasMãe de três filhos em idade escolar, a dona de casa Clotildes Alves do Nascimento, de 37 anos e que há dois recebe R$ 94 do Bolsa Família, consegue alimentar diariamente sua família com arroz e feijão. Mas a certeza de comida todos os dias acaba nessa combinação. Ela conta que só uma vez por mês consegue comprar carne bovina com osso para sua família, que inclui ainda seu marido, o servente de pedreiro desempregado Júlio César Melo da Silva.
Na geladeira de sua casa, no bairro Parque Brasil, em Teresina, no Piauí, há apenas água. Nenhuma verdura, queijo ou frutas, que a família nunca compra. Segundo Clotildes, o dinheiro do Bolsa Família é usado ainda para a compra de cadernos, material escolar, roupas, sandálias e até para um fogão novo, que ela comprou pagando prestações mensais de R$ 37.
- Tive que comprar o fogão com dinheiro do Bolsa Família porque a minha vida foi cozinhar com carvão. Eu até sonho em comprar carne, mas não dá. No máximo, compro ovos, que são mais baratos para misturar com o arroz e o feijão - disse ela nesta sexta, enquanto preparava a comida para dois de seus filhos, os gêmeos Jardson e Jackson Alves, de 8 anos.
Clotilde contou que cede ao pedido dos filhos por biscoitos e sucos para a merenda.
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